Nùcleo de Teatro de Rua ELT

Monday, April 17, 2006

Entrevista Cida Almeida

CIDA ALMEIDA — 02/09/05
Clã Estúdio das Artes Cômicas — www.claestudio.com.br e www.galpaodocla.zit.net
A RUA É CRUEL
Portal da CPT — Que importância tem o teatro de rua para a formação do artista e do cidadão?

Cida Almeida — Ao se pensar na rua, vem a imagem daqueles seres que andavam pelas estradas, trovando, cantando versos, esse artista essencialmente popular. O meu trabalho de formação se remete a esse tipo de artista: à busca desse intérprete cômico brasileiro, popular, que vai para a rua sobreviver de sua arte, sem patrocínio nem nada. Ele tem que ter na manga todo um repertório pessoal, histórico, vivencial. Não é um trabalho que mexe com uma coisa só. Tem-se que fazer com que o artista saiba o que ele quer fazer da sua arte, dando-lhe treinamento circense, musical e vocal. Tocar um instrumento, mesmo com toda essa tecnologia, é fundamental.

Portal — Como está sendo feito teatro de rua, atualmente?

Cida — O Teatro de Rua exige postura do artista frente a seu trabalho. Existem muitos grupos atuando. Será que é mera falta de espaço para se fazer teatro em palco italiano? Será por conveniência? Se for isso, é cilada. Sabe por que? A rua é cruel. Viver dela é uma opção muito difícil. Imagine só o tipo de artista que você tem que ser para que o transeunte pare e ponha dinheiro no seu chapéu. Não dá pra ser uma saída meramente econômica. Não basta, ninguém sobrevive com dinheiro de chapéu. Carece de ideologia. Ao ir para a rua, você tem que ter uma coisa a mais.

Portal — A senhora vem desenvolvendo com as máscaras da comédia?

Cida — Estão abertas as matrículas para a nova turma que, entre março e dezembro deste ano, pesquisará as máscaras da comédia à partir de uma metodologia de trabalho que eu desenvolvi para formar esse artista (saiba mais em www.galpaodocla.zit.net).
A linguagem do Clown — que descobri em 1983, num curso com o Francesco Zigrino — modificou radicalmente o meu pensamento acerca do trabalho do ator. Foi um caminho sem volta. Eu queria ter sido uma atriz trágica... para Medéia! Fiz tudo isso e acho que sou uma boa atriz. Mas alguma coisa faltava. No momento que conheci a figura do palhaço e vi as máscaras, isso mudou a minha maneira de ver e de fazer o teatro. E isso tem tudo a ver com a minha nordestinidade. São Paulo não é a capital do Nordeste? No Nordeste nós ainda temos uma lembrança arquetípica muito forte e muito próxima dessa arte popular. Veja os cantadores de Pernambuco e o carnaval da Bahia...

Portal — Onde é que o Carnaval se encontra com o Teatro, Cida?

Cida — Carnaval é festa. Toda festa, no sentido antropológico, tem o sentido de celebração, de compartilhar e transmitir determinados valores. Isso é muito bonito! E é aí que a festa se encontra com essa arte que a gente está falando, que acontece na rua, que é o nosso teatro de rua. Eu acho que é isso que a gente tem que tentar reencontrar.

Portal — Quais são os mitos da cultura popular que povoam sua mente, que influenciam seus processos de criação?

Cida — Eu sou baiana. Minha mãe me levava, nos finais de ano, pra ver as folias de Reis, os pastoris e todo aquele colorido, aquelas pessoas, os autos povoam a minha mente! Isso tudo é o nosso teatro. Isso é um mito, para mim. Pessoas, gente... Todo um coletivo de imagens estão fortes na minha cabeça.
Tinha a minha avó, que era uma cantadora, uma artista dessas espontâneas, que recitava poesia e de repente juntava um monte de gente em volta dela para ouvir. O meu pai, um contador de histórias... Não tinha um dia que, depois do jantar, meu pai não contasse uma história. E não era só contar, não... ele representava, fazia os seus personagens, era uma coisa! E também tem a literatura de cordel, com o que eu andei mexendo no último espetáculo que eu fiz para a rua. A gente tem que rever essas coisas da cultura, que são tão fortes, tão primais.
Como foi que essas máscaras se perderam numa megalópole como São Paulo? Como é que a minha história, a nossa história foi absorvida por essa cidade? A gente vê isso tudo nas rodas da Praça da Sé. Eu não sou uma cantadora ou uma repentista, mas é ali que eu vou beber.

Portal — A tradição religiosa é uma referência forte no teu trabalho?

Cida — Está ali, nessas minhas lembranças... Aqui no Clã, eu dirigi a Cia. Os Impossíveis em "Os Três Reis Magos", um reizado que tinha palhaços misturados com as máscaras da commèdia dell’arte — um samba-do-crioulo-doido! Aí eu queimava a cachola: mas que diacho tinha a ver... E fui na intuição e... gente! Os palhaços eram as figuras principais nos autos de Reis! Lembrei do Cavalo Marinho, da história do Boi, e cheguei no Mateus: um palhaço! É numa máscara, o Bastião! São figuras que falam da colonização... E a gente foi colonizado por quem? Portugueses, franceses e holandeses. Como é que o jeitinho brasileiro leu isso? Como é que se propõe a nossa Cultura?
Sabe como é esse negócio de chutar a bola e ver por onde ela vai pingando? Isso é mais do que intuição, do que oba-oba. Eu vou por ali porque eu sei que ali tem coisa. Vou tentando encontrar esse caminho. Isso é algo maravilhoso no processo da criação.
Aqui eu formo atores através das máscaras e, com isso, eu mesma vou me aprofundando dentro dessa idéia. Vou me encontrando, nessas máscaras (Mateus, Catirina e outros).

Portal — Onde a senhora vê riscos de o Teatro de Rua vir a se perder?

Cida — No dia em que a gente não se lembrar de que foi pra rua pra dizer alguma coisa.
Os chapeleiros e os vendedores, os camelôs, enfim, os grandes mestres de "como manter a roda", vão para a rua para sobreviverem. É com eles que a gente tem que aprender sobre esse discurso. Como prender, como surpreender e como manter a expectativa no ar? Eles têm uma técnica que é a que eu persigo na formação aqui no Clã. Como é que é isso?
O cara fala: "eu tenho que levar 10 contos daqui porque eu preciso dar comida pro meu filho". O cara vai buscar a sobrevivência dentro de uma coisa que ele tem de forte. Sabe aquele teatro operário lá de trás, o Teatro do Oprimido, que foi para a rua para contar coisas?! Eles sempre vão pra rua pra falar para o povo algo que ele precisa ou que quer ouvir. Nisso existe, sim, uma postura política – não estou falando partidária – do ser, de melhorar as condições de vida que nós vivemos. Acho que ele tem que ir pra rua e falar: "olha, eu estou aqui vivendo e fazendo a minha arte; ali não tem espaço, mas eu tenho espaço aqui". Então, quando a gente não quiser falar mais nada e se acomodar: puft!

Portal — Qual é a sua opinião sobre política cultural?

Cida — Uffff... é um drama! Entre trancos, barrancos e éguas barranqueiras, começa a existir uma preocupação nesse sentido. Aqui não podemos deixar de lembrar do Movimento Arte Contra a Barbárie, um marco importante nesse pensamento. À partir desse momento a classe teatral passou a olhar um pouco mais para condição em que se encontrava. Daí veio o Programa Municipal de Fomento ao Teatro, que é uma lei, que nos protege. Mas nós estamos falando aqui da cidade de São Paulo, que é um pedacinho do Brasil, que pode servir como exemplo para que se criem outras coisas nesse país. Existe na classe, nesse momento, uma preocupação em pressionar para que haja mais programas. Senão, não adianta. Não é tudo... mas também não é tudo com a Saúde, com a Educação... Este é um momento de tomada de consciência da própria classe.
É necessário um trabalho voltado para políticas culturais. Esse movimento todo, das câmaras setoriais, por exemplo, o Ministério da Cultura que está aí fazendo com que isso exista para que a gente não passe por vexames em trocas de governo. É um trabalho sério, no sentido de criar possibilidades de uma continuidade. Se a gente prestar atenção, há conquistas que já começam a existir, nesse sentido, como leis voltadas ao circo, ao teatro e à dança. É um momento muito importante que exige atenção, porque pode nos assegurar outras coisas.
Ainda falta! Mas de uma determinada maneira eu percebo que a gente avançou. No mínimo, a gente já está pensando em como se organizar. O Movimento de Teatro de Rua é um exemplo disso. Só assim, ali adiante, a gente vai poder construir mais leis, mais programas.

Portal — Que enfoque deve nortear um movimento como o de Teatro de Rua?

Cida — Na minha pesquisa sobre esse intérprete eu caio na rua e, então, eu tenho reportagens e crônicas maravilhosas sobre a rua, para entendê-la. Da mesma forma, a gente tem que entender o nosso ofício e evitar "panelinhas". É natural que o movimento tenha um núcleo de pessoas, fazendo e pensando. Mas mais pessoas vão chegando. Existem oportunistas e temos que perceber quem é que está do nosso lado. Eu posso não estar ali todo dia e isso não quer dizer que eu não possa dar uma contribuição efetiva, não é? A gente não pode cair na cilada de acreditar que "se basta".
Nesse momento, vamos olhar para nós, enquanto movimento. Acolher e nortear, no sentido antropológico, quem está chegando. O que é que a gente está fazendo? Para quem? Quem são as pessoas ao nosso lado? Por que se escolhe essa praça e não a outra? É isso o que a gente pode se proporcionar, ali dentro, ao invés de ficar nas situações emergenciais. Como já fizemos com os seminários, as overdoses e a temporada! Fazer e conversar sobre o trabalho. É importante a gente se comunicar artisticamente... porque o que a gente faz é Arte, caramba. As leis e as regras só vão existir e a gente só vai poder lidar com elas e também propô-las à partir do momento em que a gente também souber o que está fazendo.

Portal — Como foi a experiência de trazer Francesco Zigrino para o Clã?

Cida — Ele é muito importante para o meu trabalho e o meu pensar, pois ele surgiu na minha vida para dar uma rasteira. "O que é que você está fazendo? O que você quer da vida? Quem é você, neguinha recém-chegada do Nordeste, fazendo EAD?". Eu me achei, no sentido filosófico. Quais são as minhas raízes. É muito louco, não dá para passar impune. Pode perguntar pra Tiche Viana, com a commedia dell’arte, e pra Quito também.
Agora, eu convidei e ele veio, com uma generosidade imensa, de um amor profundo. Ele chegou e me disse: "puxa, que bonito o que você fez". E eu devolvo dizendo: que bonito o que você fez comigo. Existe uma troca de verdade, a gente cresce muito. E isso também existe de mim para com as pessoas que eu formei. Já são duas gerações! E eu sei que ele certamente vai embarcar uma terceira e uma quarta geração. Essa é que é a importância. Ele veio e disse: olha, o teatro também é isso aí. Não é só Stanislawski!

Portal — Fale-nos sobre o G.E.C.A. e os prêmios que vem recebendo nestes anos todos.

Cida — O Clã Estúdio das Artes Cômicas parte de um pensamento filosófico. Estúdio é o local onde o artista aprende e faz o seu trabalho. Eu sou que nem índio, eu preciso ter a minha oca e a minha tribo — por isso é um clã, que reúne vários núcleos, como por exemplo a Cia. dos Impossíveis, a Cia. Carapulsa de Teatro, a Cia. de Rocokóz, a Cia. Clandestinos de Teatro e a minha parceria com a Sophia Papo.
Quanto aos prêmios que este espaço vem conquistando, creio que sejam reflexo das várias atividades que partem dessa pesquisa sobre o Artista Popular Brasileiro: o circo, a rua e o teatro em espaços alternativos. "PANO DE RODA — Circo-Teatro sobre Rodas", é o projeto que ganhou esse segundo prêmio de Estímulo ao Circo, da FUNARTE, pois contempla um trabalho que vem se desenvolvendo há cinco anos na busca de uma linguagem popular. Pano de Roda nos sugere a relação com o os pequenos circos do interior do Brasil, cuja lona é o céu aberto: meio rua, meio circo, meio teatro.
O PANO DE RODA é um desdobramento do nosso "Risos de Sábado a Noite", um show de variedades cômicas que levamos para a rua. Estamos oferecendo ao Programa Municipal de Fomento ao Teatro o passo seguinte, que é o projeto "Risos na Cidade". No CIRCO DE RODA, levamos o show "Palhaços sem Conserto", além de "Um Auto de Santaclowns".. Com o PANO DE RODA, estamos preparando um circo de palhaços com números de trapézio, tecido, mágica, bichos amestrados... Na segunda parte: TEATRO, com "A Muy Cruel e Lamentável História de Romeu e Julieta". A partir de março, serão cinco apresentações gratuitas em cidades de São Paulo.

1 Comments:

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