Nùcleo de Teatro de Rua ELT

Thursday, April 20, 2006

Poética e política na pedagogia teatral: a formação de atores/atuadores do Grupo Ói nóis aqui traveiz

por Narciso Telles


O teatro de rua é um tema que se encontra à margem dos estudos sobre o teatro brasileiro. A historiografia de nosso teatro foi escrita basicamente a partir da dramaturgia. A cena, local por excelência do acontecimento teatral, foi renegada ao segundo plano. A ampliação de pesquisas sobre a cena, especialmente nos programas de pós-graduação, tem tentando repensar essa visão. Porém, o teatro de rua é um tema ainda carente de discussão e pesquisas. O preconceito e a falta de uma conceituação clara dessa modalidade teatral são alguns dos problemas encontrados pelo pesquisador que queira investigá-la.

No decorrer de nossa pesquisa, conseguimos detectar alguns trabalhos, a maioria, infelizmente, não publicados, que buscam no teatro de rua seu ponto de análise. Temos noção da heterogeneidade dos mesmos, principalmente, em suas matrizes teóricas, mas acreditamos que este tímido painel possa mostrar um pouco das pesquisas realizadas e, dessa forma, contribuir para que o teatro de rua saia do limbo historiográfico.

Sobre o Grupo Tá na Rua, temos a recente pesquisa de Ana Carneiro "Espaço Cênico e Comicidade: A Busca de uma Definição para a Linguagem do Ator - Grupo Tá na Rua 1981 . Nesta, a autora fixa-se na linguagem atoral desenvolvida pelo Grupo abarcando dois aspectos fundamentais - a comicidade e a relação com o espaço da rua - e seus desdobramentos no trabalho dos atores, sendo o ano de 1981 um momento importante na consolidação dessa linguagem.

A dissertação de Eliene Benício " Teatro de Rua: Uma forma de teatro popular no Nordeste " traça um paralelo entre diversos grupos de teatro de rua do Nordeste. Utilizando a categoria de "teatro popular" para compreender as linguagens de teatro de rua destes grupos, Benício analisa as proximidades e diferenças entre os grupos nordestinos e identifica o teatro de rua na região como uma modalidade teatral pertencente às raízes populares do povo nordestino.
Ainda sobre o tema, a obra de André Carreira " La Pasión Puesta en la Calle " procura analisar historicamente o processo de criação dos grupos em um contexto cultural específico, buscando identificar as inter-relações existentes entre o desenvolvimento histórico social e as transformações sociais. Para isso, desenvolve um estudo comparativo entre os grupos de rua portenhos e brasileiros, durante a década de 80. Propondo uma delimitação para o conceito de teatro de rua, o autor apresenta-nos um belo estudo sobre os principais grupos de teatro de rua brasileiros, sendo um marco na historiografia sobre o assunto.

No bojo destas discussões, pretendemos apresentar nesta comunicação algumas inquietações recentes em torno da prática pedagógica teatral dos Grupos Brasileiros, em especial daqueles que tem no teatro de rua o objeto de sua prática artística.

Conforme apontamos em nossa dissertação de Mestrado http://dramateatro.fundacite.arg.gov.ve/ensayos/n_0016/narcisotelles.htm - _ftn2, o teatro de rua brasileiro não é uma modalidade teatral uniforme, ao contrário, é formada por multiplicidade de linguagens nas quais questões ideológicas, éticas e estéticas dos coletivos teatrais são expressas em cena. Para tanto escolhi como objeto de nossa apresentação os projetos de cunho artístico-pedagógico desenvolvido pela Tribo de Atuadores Ói Nois Aqui Traveiz.

Pedagogia teatral em ação

Fundado em 1977 na cidade de Porto Alegre, o Ói Nóis Aqui Traveiz é um dos principais Grupos de teatro de rua do Brasil, com uma proposta teatral pautada no entendimento do teatro como uma arte capaz de contribuir para a transformação social. Esses "homens de ação" desenvolveram ao longo de seus 22 anos de atividade diversos espetáculos de rua e em sua sede: a Terreira da Tribo.

Nos anos 80 há uma intensificação das atividades do Grupo no que tange ao ensino do teatro. Essa intensificação, em tese, pode-se estar relacionada ao processo de consolidação de uma linguagem teatral do Grupo que necessitava de atores/atuadores com uma formação específica vinculada àquela linguagem, assim como, uma ampliação de suas ações em comunidades.
Diversos projetos são desenvolvidos, entre os quais destacamos: Oficinas de Experimentação e Pesquisa Cênica (1986); "Caminho para um teatro popular", "Teatro como instrumento de discussão social" e "Teatro Sindical" (1988...); Oficinas de Teatro de Rua (1995); Oficina de Teatro Livre e a Escola de Teatro Popular (2000...).

Todos esses projetos visam o processo de aprendizagem teatral em vários níveis: a formação de platéia, o trabalho com não atores e a formação de atores. Em todos verificamos uma presença do projeto do Grupo que ultrapassa os limites estéticos da cena na busca de uma sociedade mais justa, por isto, o indivíduo vem antes do ator, inclusive em termos de formação. A compreensão da importância da arte na formação do indivíduo emancipado, como um instrumento capaz de atuar criticamente em prol da transformação, está presente em todas as ações pedagógicas do Grupo, o que dessa forma, o aproxima às idéias defendidas por Paulo Freire.

Opondo-se à educação bancária, que entende o educando como um depositário de conhecimentos distanciados da realidade, Freire defende a idéia de que o processo educacional deva abrir um diálogo no intento de colocar o educando frente à sociedade para que se conscientize de seu papel e contribua para a transformação da estrutura social opressora. Nessa perspectiva, defende uma ação cultural para a liberdade que busque, por meio do diálogo, promover a visão crítica frente à realidade dos oprimidos, para que estes saiam de seu estado de alienação. " O papel fundamental dos que estão comprometidos numa ação cultural para a conscientização não é propriamente falar sobre como construir a idéia libertadora, mas convidar os homens a captar com seu espírito a verdade de sua própria realidade. " http://dramateatro.fundacite.arg.gov.ve/ensayos/n_0016/narcisotelles.htm - _ftn3

Partindo desta constatação, nos permitiremos agora focar nossa análise no Projeto: Teatro como instrumento de discussão social."

Com o objetivo de ampliar as ações do Grupo para além dos muros da Terreira, este projeto é constituído de oficinas de teatro ministradas naS comunidades carentes da periferia de Porto Alegre.

Neste Projeto as oficinas são estruturadas a partir de exercícios de autoconhecimento e busca a descoberta das potencialidades individuais dos participantes, na maioria jovens, como comenta o ator José Carlos Carvalho:

"Era um trabalho de certa forma antropológico. Tínhamos que ter cuidado para não chegar impondo, nem absorver aquela cultura. A forma de cativar as pessoas era diferente daquela usada na conquista de quem procura a Terreira para fazer oficina. Não existia a preocupação de formar grupo de teatro, montar uma peça ou mostrar técnicas para eles, e, sim, de passar coisas básicas do teatro que servissem para a vida, porque o jogo, a brincadeira, a improvisação instigam um questionamento que acaba mexendo com os valores de cada um. E era bem interessante, porque nas dramatizações se discutiam muitos assuntos que eles mesmos traziam..." http://dramateatro.fundacite.arg.gov.ve/ensayos/n_0016/narcisotelles.htm - _ftn4

Para atingir seus objetivos, as oficinas partem de jogos dramáticos, expressão corporal e improvisações, discutindo os problemas imediatos daquelas populações. Partindo de uma definição de teatro que tem uma profunda vinculação com a comunidade onde se insere, essa forma de organização e de produção artística possibilita que questões locais e específicas possam ser tratadas e imediatizadas na cena. Assim como, busca novas possibilidades na relação ator - espectador, no próprio modelo de espetáculo e interpretação e na forma de ocupação e criação de novos espaços cênicos. Verificamos uma maior valorização do PROCESSO não do PRODUTO, mesmo assim, existiam apresentações de esquetes e peças ao final das oficinas.

"O cuidado com o resultado da ação teatral junto ao espectador é uma preocupação sempre presente entre os artistas que desenvolvem experiências de arte-educação voltadas para o interesse das comunidades ." http://dramateatro.fundacite.arg.gov.ve/ensayos/n_0016/narcisotelles.htm - _ftn5A ênfase no PROCESSO está vinculada à uma concepção pedagógica - Escola Nova - que se contrapõe a preocupação com a qualidade do PRODUTO, defendido mais arduamente pela Escola Tradicional. Na pedagogia teatral tal discussão tem gerado inúmeros estudos por parte de especialistas que defendem a importância na conciliação entre PROCESSO e PRODUTO no aprendizado teatral.

No caso do Projeto em questão, vê-se por parte do Grupo um nítido distanciamento, entendido como "antropológico", que possibilitaria uma ação teatral na comunidade sem promover, com isso, uma intervenção mais direta. Nessa perspectiva, o projeto busca instrumentalizar os participantes de um conhecimento teatral básico, incentivando-os a desenvolver: uma maior percepção da comunidade onde atuam, vivência de uma atividade artística que permite uma ampliação de suas capacidades expressivas e consciência de grupo, através de uma prática pedagógica onde o educando participa como agente ativo no processo de aprendizagem.
" Teatro como instrumento de discussão social " é uma ação pedagógica onde o Ói Nóis (re) afirma sua ideologia, ensinando "um teatro que não comenta a vida, mas participa dela!" http://dramateatro.fundacite.arg.gov.ve/ensayos/n_0016/narcisotelles.htm - _ftn6


Referências Bibliográficas: ALENCAR, Sandra. Atuadores da paixão . Porto Alegre: Secretaria Municipal de Cultura, 1997.
CARNEIRO, Ana. Espaço cênico e comicidade: a busca de uma definição para a linguagem do ator - Grupo Tá na Rua 1981 . Rio de Janeiro. Dissertação (Mestrado em Teatro) CLA/UNIRIO, 1998.
CARREIRA, André. La Pasión Puesta en la Calle . 1998. mimeo- (Inédito)
FARIAS, Sérgio C. Borges. Metodologia de Ensino para um Teatro Instrumental . Tese (Doutorado em Artes Cênicas ) - ECA/USP, 1990.
FREIRE, Paulo. Educação como prática de liberdade . Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
SILVA, Narciso L. Telles da (Narciso Telles). Por uma revolução cênica: o estudo da linguagem de teatro de rua do Grupo Revolucena . Dissertação (Mestrado em Teatro) - CLA/UNIRIO,1999.
SOUZA, Eliene Benício de. Teatro de Rua: uma forma de teatro popular no nordeste . São Paulo. Dissertação (Mestrado em Artes Cênicas ) - ECA/USP, 1993.
TROTTA, Rosyane. O paradoxo do teatro de grupo . Rio de Janeiro. Dissertação (Mestrado em Teatro) - CLA/UNIRIO, 1995.
http://dramateatro.fundacite.arg.gov.ve/ensayos/n_0016/narcisotelles.htm - _ftnref1Ator, Professor do Curso de Artes Cênicas na Universidade Federal de Uberlândia e Mestre em Teatro pela UNIRIO. Coordenador do Projeto de Pesquisa "Teatro de Rua: processos criativos e formação de atores/atuadores". Membro do Núcleo de Criação e Pesquisa Teatral - TRIBO
http://dramateatro.fundacite.arg.gov.ve/ensayos/n_0016/narcisotelles.htm - _ftnref2TELLES, Narciso. Por uma revolução cênica: o estudo da linguagem de teatro de rua do Grupo Revolucena . CLA/UNIRIO,1999, sob a orientação do Prof. Dr. Zeca Ligiéro
http://dramateatro.fundacite.arg.gov.ve/ensayos/n_0016/narcisotelles.htm - _ftnref3FREIRE, P. 91p
http://dramateatro.fundacite.arg.gov.ve/ensayos/n_0016/narcisotelles.htm - _ftnref4ALENCAR, S. 157p
http://dramateatro.fundacite.arg.gov.ve/ensayos/n_0016/narcisotelles.htm - _ftnref5FARIAS, S. 84p
http://dramateatro.fundacite.arg.gov.ve/ensayos/n_0016/narcisotelles.htm - _ftnref6Material de Divulgação dos Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz

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