Nùcleo de Teatro de Rua ELT

Friday, March 23, 2007

A força do teatro de rua


Marcos Paulo · Porto Velho (RO) · 15/10/2006 14:44 ·





Quando se imaginaria que o teatro de rua ganharia tanta força em Porto Velho?”


Ouvi, sem querer, um dos estudantes em comentário discreto, mas preciso, sobre o espetáculo “O Mistério no Fundo do Pote - Ou como surgiu a fome”, de Ilo Krugli, interpretado por atores do grupo “O Imaginário”, que segue a temporada até o final de outubro. Tudo é muito novo, o que não significa falta de qualidade.


Quer mais um exemplo de como essa “novidade” veio pra ficar? “O Julgamento de Branca Dias pela Santa Inquisição”, de Dias Gomes, apresentado bem ao centro de um dos patrimônios históricos da capital: a praça das Caixas D´Água. Prossiga nas próximas linhas e logo vai entender como é essa força que o teatro de rua conquistou e encantou pessoas da cidade banhada pelo rio Madeira.


Depois de receber o Prêmio Funarte de Teatro Mirian Muniz, em maio deste ano, o grupo “O Imaginário” reuniu nove atores jovens de Rondônia para fazer a montagem da peça, que mais tarde percorreria as ruas de bairros considerados afastados do centro urbano. Para dirigir o espetáculo, nada menos que o conceituado e especialista em teatro de rua Narciso Teles, diretamente do Rio de Janeiro a Porto Velho, que teve apenas quinze dias para preparar os atores. Também não foi o primeiro a estranhar que por essas bandas de cá muito ainda deve ser feito. “Falta incentivo aos que querem que a arte atravesse e ganhe novas fronteiras”, enfatizou. Segundo ele, “o teatro de rua modifica poeticamente o espaço urbano e, ao mesmo tempo, abre-se para as inúmeras e possíveis interferências, como sons, falas, vento...”. Como mudou e acrescentou o aprendizado de uma das atrizes da peça, Tati Andrade, 23 anos, que estreou no teatro de rua. “Tudo está sendo muito novo pra mim, mas tenho certeza que quem assistir à peça verá que houve muito empenho e vontade de fazer acontecer: tanto pra nós, como ao público”.


O primeiro passo foi dado. Gente que nunca havia assistido a uma peça de teatro pôde conferir e se emocionar, de perto e gratuitamente, com a velha e pequena cidade ficcional de “Três Saudades”, num tempo em que não existia a fome e todos pegavam apenas o necessário, como reza a dramaturgia de Ilo Krugli. “Nem sabia que existia teatro na rua”, revelou a pequena e ingênua Fabiana Monteiro, 14 anos, que pela primeira vez assistiu a um espetáculo teatral sem sair do próprio bairro. Não obstante, o estudante Diego dos Santos, 16 anos, um pouco mais agitado, até articulou com seus amigos uma possível continuidade de projetos desta natureza ao seu bairro, o Tucumanzal, que já foi considerado um dos mais perigosos da cidade. “Nós daqui dificilmente temos oportunidade de assistir a um espetáculo como este, ainda mais de graça”, lamentou.


“Por ser ao ar livre, é como se fizéssemos parte do espetáculo”, analisa o estudante de História James Silva, ao assistir pela primeira vez ao espetáculo “O Julgamento de Branca Dias pela Santa Inquisição, apresentado francamente aos domingos pelo grupo “Abstractus”, na praça das Caixas D´Água. A peça é baseada no texto “O Santo Inquérito, de Dias Gomes, dirigido por Elcias Villar, que conta a história do julgamento de Branca Dias no século 18, ela é acusada de ter cometido pecados e atos contra a moralidade.


Ao longe, mais parece um tumulto ver a platéia camuflar a respiração boca-a-boca de Branca Dias ao Padre Bernardo, onde se inicia o processo de denúncias que levam a protagonista à prisão. Mais tarde, ela vem a ser queimada, segundo relata a história da trama. O espetáculo originou-se ainda em 2003, mas, por falta de espaço para apresentações e depois de anos de pesquisa, a direção do espetáculo resolve aceitar o desafio e trazer a história de Branca a sua concepção original.


No fundo, não era difícil imaginar que Porto Velho poderia – e pode – ter essa força de atrair centenas de pessoas para apreciar, descobrir e se encantar com a beleza e improvisação que é o teatro de rua. Sentir esse triângulo que se forma entre platéia, espetáculo e incertezas no cenário a céu aberto, por assim dizer, prova que basta unir as forças de grupos como “O Imaginário”, “Abstractus” e tantos outros com um pouco mais de incentivo a quem deseja levar cultura, arte e entretenimento.

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