Nùcleo de Teatro de Rua ELT

Monday, June 12, 2006

O CIRCO E SEUS DILEMAS

Por Mario Bolognesi
professor e pesquisador do circo brasileiro

O circo, hoje, no Brasil, enfrenta profundas transformações. Ao mesmo tempo em que se expandem os espaços e grupos que se dedicam às artes circenses, presencia-se um cenário de dificuldades cada vez mais acentuado ao trabalho dos circos de lona.

Os circos enfrentam dificuldades de toda ordem, que desestimulam o trabalho artístico e tolhem a população do acesso à mais antiga forma de espetáculo popular do país. Dentre as várias razões desse declínio, uma deve ser pontuada com ênfase: muitas vezes, as Prefeituras e as autoridades municipais não se sensibilizam para receber o circo em suas cidades. Ao contrário, colocam barreiras das mais diversas naturezas, quando não proíbem sumariamente a entrada do circo no município.

Antes mesmo do sucesso do Rádio, e posteriormente da Televisão; antes mesmo do Cinema, do Teatro e da Dança, os circenses, no Brasil,
cumpriram o notável papel produtores e irradiadores da cultura. Eles procuravam e alcançavam localidades jamais visitadas por outras companhias artísticas. O circo, ao contrário, desbravou culturalmente todo o país, levando oportunidade ímpar e diferenciada de diversão e cultura para as mais diversas localidades brasileiras, tanto no modelo de variedades circenses, como com o circo-teatro, com papel inestimável na formação da memória cultural brasileira. Verdadeiramente, um sentimento nacional se forjou a partir da ação do circo e do circo-teatro em nosso país. Por essas razões, as artes circenses precisam ser valorizadas em nosso país, a exemplo do que ocorre no exterior.

São extensas e extremas as dificuldades do exercício da profissão do circense. Eles enfrentam as adversidades naturais tais como chuvas fortes, vendavais e temporais, que colocam em risco a casa de espetáculo e a moradia dos artistas e técnicos. Os artistas têm diante de si o risco de vida nas evoluções acrobáticas as mais arriscadas. Em virtude da itinerância, os circenses não têm acesso aos direitos comerciais que se estendem aos demais cidadãos, como a disponibilidade do sistema de crédito. A companhia circense fica excluída das disponibilidades financeiras oferecidas pelo sistema bancário, que poderia aprimorar a estrutura física da casa de espetáculo e de moradia dos artistas. Raras vezes os circenses itinerantes têm acesso às políticas públicas, culturais ou sociais.

Para desenvolver seu trabalho, os circos continuam sujeitos aos interesses e às vontades das autoridades municipais que nem sempre reconhecem a sua importância na formação do cidadão e da cultura brasileira. A sumária proibição da entrada de circos em várias cidades brasileiras tornou-se fato comum. Cada município estabelece normas particulares.

Atualmente, enquanto tramitam no Congresso Nacional projetos de leis que reconhecem e regularizam a atividade circense, procurando corrigir uma deficiência histórica, os circenses enfrentam a luta aguerrida de algumas ONGs contra a presença de animais no espetáculo.

O circo moderno nasceu com animais participando do espetáculo. Os cavalos foram os motivadores dos primeiros espetáculos e dos primeiros circos, na Europa, no final do século XVIII. A eles agregaram-se os cômicos, os saltimbancos, os funâmbulos, os atores dos teatros de feira, os pirofagistas, mágicos, equilibristas e muitos outros artistas, como também os domadores de animais exóticos e ferozes, como ursos, leões e macacos. As tradicionais corridas de touros foram igualmente incorporadas ao espetáculo.

No século XX, as técnicas de treinamento evoluíram. O treinamento dos animais deixou de ser o do castigo e tomou o caminho do chamado “reforço positivo”, que premia o animal quando ele executa a contento uma evolução. Os animais dos circos, na atualidade, nasceram no próprio circo, isto é, em cativeiro. Desde a infância eles são habituados ao convívio circense.

Os circos que trabalham com animais se submetem à legislação federal, sob inspeção constante do IBAMA. Os domadores e proprietários de circos são obrigados a apresentar laudos veterinários de sanidade física e mental dos animais, além dos respectivos atestados de vacinação.

Hoje, no Brasil, muitos municípios proíbem a entrada de circos com animais. Os circenses lutam para reverter esse quadro. Os circenses, em nenhum momento, foram ouvidos. Essas leis comprometeram não só o desenvolvimento dos circos que optam por ter animais em seus espetáculos, como também a própria imagem dos circenses e sua arte. Mas, é preciso acrescentar, os circenses que hoje optam por animais no espetáculo não são complacentes com os maus tratos aos animais. Os animais são seus artistas.

Como é típico de nosso país, a memória e a história não têm a devida valorização. O não reconhecimento da importância do circo na formação cultural brasileira é uma dessas graves facetas. Estamos lutando por isso.

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