Nùcleo de Teatro de Rua ELT

Monday, June 12, 2006

Teatro para Paraquedistas

Um Ensaio sobre o “Teatro de Intervenção”



Por Carlos Biaggioli*

Em 2003, o Movimento de Teatro de Rua rompeu a placenta lá no Barracão Cultural Pavanelli, com um seminário que reuniu os grupos de teatro de rua atuantes na capital paulista. Foi muito bacana, pois, além de alguns convidados (entre os quais o Joca Andreazza), os grupos foram colocados frente a frente pra discutirem temas específicos. Eu perguntei ao Marcos Pavaneli por que o “teatro de intervenção” não estava nessa pauta e, vapt-vupt, lá estávamos nós, do Grupo Manifesta de Arte Cômica, destrinchando essa história com ninguém menos do que o Ilo Krugli (gente!).

“Teatro de intervenção”, para ser sincero, é um termo que eu inventei para designar o que artistas vêm (também), desde sempre, fazendo em espaços ao ar livre, abertos ou não convencionais. Outro dia, em sua participação num seminário promovido pelo Tablado de Arruar, a Iná Camargo nos fez pensar nisso ao citar o agitprop russo e alemão, pós-outubro de 17. O que Sérgio Khair e eu trouxemos à baila não tem este caráter tão estritamente político, como se compreende aquele momento histórico. Mas, cá entre nós: “o que é ser político?”.

Tanto o Grupo Manifesta como a Cia. de Rocokóz são grupos, constituídos de palhaços, que nasceram entre coxinhas, piscinas de bolinhas e brigadeiros, apresentando-se para platéias que nem se compreendiam como tal, muitas das quais “caçadas a laço”. Alçamos vôo para buffets e aí, sim... a coisa complicou mais ainda, pois passamos a enfrentar a concorrência desleal de máquinas de games e horários de cortar bolo. Valentes, seguimos! Vieram os “eventos”, sociais, empresariais, etc. Embora não o tivéssemos codificado, ainda, dessa trajetória toda fomos engrossando um caldo que, em 1995, começou a se entornar num campo bastante “novo” para a gente...
Ora, pílulas! O que vínhamos fazendo, nesses anos todos, em muito pouco se diferenciava do que ressalta, por exemplo, o Dario Fo (em seu Manual Mínimo do Ator), quando fala da “arte do improviso”, com a qual os artistas, no seu infindável ziguezague pelo coração do mundo medieval, tiravam seu sustento das apresentações de suas trupes. O que é o improviso senão um rico e vivo repertório de manhas-e-artimanhas cênicas, arduamente conquistadas, não raro, durante uma vida inteira de prática do ofício? Aí eu não tenho como me esquecer da Paoli Quito, que definia esses achados como “presentes de anjos” aos que a todo instante lançavam-se nos abismos da relação com a platéia, sem saberem onde iam dar... Qual é a impressão que comumente se tira desses “improvisos”? É tão orgânico... mas tão orgânico... que parece inventado na hora! Uma poderosa isca para pescar os transeuntes que, distraídos ou não, ainda não estivessem na roda de suas apresentações, ao fim das quais recebiam seu quinhão de dinheiro ou de alimentos para continuarem suas jornadas.
Seja na rua, na praça ou no lugar público que for, existe melhor maneira de se inserir nele do que compartilhar sua dimensão criativa com quem natural e cotidianamente o habita?
No seminário do ano seguinte, o movimento recebeu o Amir Haddad, sem dúvida alguma um dos baluartes do teatro de rua brasileiro, juntamente com o pessoal lá do Sul, de BH e os coletivos organizados nas principais capitais do Nordeste. Quando definiu o teatro de rua como sendo “um momento de celebração com o público” (o que é raro de ser verificado, por exemplo, no palco italiano burguês) — isto é, como sendo um momento transdimensional gerado eqüitativamente tanto por ator como por espectador —, a gente começou a juntar as peças do nosso próprio quebra-cabeças... coisa que, aliás, é muito comum a partir de determinado ponto da trajetória profissional, quando se começa a pensar sobre o que, até então, se vinha simplesmente fazendo.
Respeitadas as devidas proporções, o que o Grupo Manifesta e a Cia. de Rocokóz vem fazendo desde a sua origem é exatamente redimensionar os ambientes em que atua e, rapidamente, num primeiro instante, transformar o cidadão por acaso ali presente, isto é, o “paraquedista”, em “espectador” (pouco importando sua idade ou classe social). O passo seguinte é criativamente inseri-lo na proposta cênica — seja ela um cannovacio de palhaços ou alguma ação teatral temática realizada em evento, empresa, escola ou em que espaço não convencional fosse. É o que ambos os núcleos vem realizando, por exemplo, com o projeto Risoterapia, realizado há 10 anos dentro e fora de hospitais por ambos os grupos, ou a versão clownesca de Dom Quixote e Sancho Pança, do Grupo Manifesta.
Mas vamos voltar um bocadinho à Iná Camargo, quando ela nos contou sobre a frustração dos revolucionários alemães que se utilizavam do teatro de agitprop ao sacarem que seus bordões libertários estavam simplesmente sendo revertidos a favor, por exemplo, da propaganda que desembocou, em 33, na ascenção nazista ao poder. Diz a Iná: “nós não estamos falando de brincadeira de criança. Teatro de rua e agitprop são coisa séria, muito importante. São armas que, mal manejadas, podem virar munição para o inimigo”.
Isto é a mais pura expressão da verdade. É uma enorme pena que ainda flagremos em portas de lojas ou ao redor de palanques políticos grande parte dos artistas que, conscientemente ou não, desenvolvam esse tipo de fazer teatral, um banquete servido aos interesses de quem rebaixa um instrumento profundamente transformador a um usufruto meramente mercantilista.
No entanto, nunca nos esqueçamos que grande parte desta responsabilidade cabe ao próprio artista que ainda não reconhece o tem nas próprias mãos. Seja técnica ou seja talento (de preferência ambos), é totalmente dele a capacidade de se valer de personagens ou de situações teatrais para, a todo instante, e em espaços considerados não propícios a isso, gerar um diálogo altamente transformador com a população local.
Uma coisa é abrirmos um jornal na sessão de teatro, escolhermos uma peça, nos arrumarmos para tal, sairmos de casa rumo à casa de espetáculos, pagarmos o ingresso (!!!!!), entrarmos, aguardarmos os três sinais e, confortavelmente acomodados em nossa poltrona, assistirmos à obra. Outra coisa, diametralmente diferente, é estarmos em algum lugar público (ou até mesmo um “evento” ou algo similar) e sermos “fisgados” — ou “raptados”, na visão do Roland Barthes — por um acontecimento que foge, que rasga o cotidiano de cada um de nós, ao mesmo tempo como indivíduo e coletivo social, no qual, muitas vezes até sem perceber, mas de forma criativa e crível, por mais escalafobético que possa parecer, eu sou inserido, envolvido e me veja em condições de compartilhar aquilo à partir da minha própria visão de mundo, da minha própria opinião sobre aquilo.
Não é novidade alguma tudo isso que estamos conversando aqui, concordam? Desde o teatro grego, passando pela era medieval e depois pela época elisabetana (lembrem de como aconteciam as coisas no Globe Theater), e entrando pelo teatro de todos-os-ismos do fim do XIX pra cá.
Por mais que, por exemplo, o teatro épico do Brecht tenha virado uma espécie de consenso (visão esta que deve sempre ser questionada, até mesmo em respeito ao que o dito-cujo pregava) no que diga respeito ao fazer teatral na rua, em espaços abertos ou não convencionais, a gente sabe muito bem que, embora a rua sinalize para um teatro não aristotélico, isto é, composto de cenas que independam umas das outras — de maneira que o passante tenha a possibilidade de, no curto espaço de tempo que possa dedicar àquilo, levar consigo algo de concreto —, não podemos também desconsiderar o fato de que o realismo também se torna um recurso valiosíssimo no sentido de possibilitar que, a partir da verdade emocional de seu personagem, o ator gere um diálogo muito interessante com seu espectador.
Cabe aqui um parêntese para trazermos à baila o tipo de pesquisa que vem sendo desenvolvido pelo Núcleo de Teatro de Rua da Escola Livre de Teatro de Santo André, iniciado a oito mãos por Claudia Schapira e Roberta Estrela Dalva, do Núcleo Bartolomeu de Depoimentos, bem como por Luis Alberto de Abreu, na supervisão dramatúrgica, e por Marcelo Milan, com técnicas circenses, e atualmente coordenado por Ana Roxo, cuja trajetória está muito bem explicitada em um artigo do Antonio Rogério Toscano, constante no espaço dedicado ao Teatro de Rua pelo portal da Cooperativa Paulista de Teatro (www.cooperativadeteatro.com.br). Outra fonte muito interessante para conhecer essa pesquisa é www.teatroderuaelt.blogspot.com.
Levando tudo isso em conta, em 1995 a gente percebeu que animar festa ou evento era o mesmo que "acender vela debaixo do sol". E, a partir da experiência que trouxe um trabalho realizado junto a trabalhadores de cozinha industrial em 40 cidades por todo o país, no início desta década, por ocasião de uma forte epidemia de cólera, nós constatamos que era realmente procedente nosso intuito de ir atrás de um teatro itinerante e interativo que possibilitasse transformação em nossas platéias espontâneas, fosse esta em que que ambiente ou em que nível (individual ou coletivo) fosse.
Nossa vereda é a do Humor, sempre foi. Dia desses, por sinal, um colega veio me perguntar o que é preciso ter para ser palhaço. Cara-de-pau? Técnica? Dom? Eu simplesmente respondi: uma vontade visceral, quase sobre-humana (e a um passo da pura paranóia) de fazer rir. Feito este pequeno parêntese, voltemos ao assunto. A nossa pergunta passou a ser: é possível conscientizar sobre cólera, AIDS, loucura, droga ou até mesmo sobre miséria, dor, doença ou o que quer que seja, nesse âmbito, usando o riso, a palhaçada, a irreverência estrategicamente direcionados? Em 1995 a gente viu que sim, numa palestra do Michael Christensen, um palhaço norte-americano que espalhou pelo mundo uma rede de palhaços em hospitais — sendo os Doutores da Alegria sua “subsidiária” brasileira.
O riso é, no meu ponto-de-vista, ao mesmo tempo uma atitude revolucionária, regenerativa e renovadora. Em outras palavras: é uma atitude política! Sobre isso há artigos, opiniões e estudos publicados a mancheia. O fato é que, na rua e nos espaços não-convencionais o que se observa mais comumente é que o humor cria um diálogo mais direto na relação interativa ator/personagem-espectador. Quando ri, o cidadão parece estar afirmando que “sabe do que se trata” e cabe, daí em diante, à ação teatral conduzi-lo pelos desdobramentos daquilo. E ele vai, podem ter certeza!
Seja onde for — empresa, evento, rua, praça, corredor de hospital ou páteo de escola —, o que nossa experiência vem dia-a-dia comprovando é que o espectador-paraquedista, que caiu ali de repente, sem se preparar para aquilo, ele quer uma vivência nova, verdadeira e (sim, Brecht tinha razão nisso!) divertida. E vamos mais além: o paraquedista, por mais curto que seja o tempo que dedica à condição de espectador, ele é fiel a ela. Você pode escrever, que eu assino e registro em cartório: ele quer dialogar com aquela história, sentir-se dentro, mesmo que indiretamente, isto é, ele precisa se sentir parte daquela vivência. O Teatro de Intervenção tem exatamente nisso o seu cerne principal.
Então, meus amigos e colegas, é hora de revermos determinadas crenças nossas...
Em uma reunião realizada na Cooperativa Paulista de Teatro, por ocasião da formatação de um fórum artístico cujo tema será exatamente o “teatro de rua e em espaços abertos ou não convencionais”, fiquei impressionado quando os colegas ali presentes não quiseram considerar o teatro de intervenção como parte das discussões. Tentei argumentar utilizando os exemplos do Projeto Risoterapia, dos Doutores da Alegria ou até mesmo a do Grupo Ivo 60, cuja pesquisa que partiu de experimentações calcadas em intervenções teatrais realizadas nos espaços mais estapafúrdicos, pesquisa essa hoje em dia contemplada pelo programa municipal de Fomento ao Teatro. Tudo em vão. Disseram que “intervenção não vem de encontro ao tema desse fórum artístico”.
Não é por aí. Mesmo. A menos que seja lícito negar as infindáveis riquezas contidas nesse arcabouço que sustenta o teatro de intervenção, fruto constante de uma inventividade herdada dos primórdios do Teatro, das antigas trupes de mambembes, saltimbancos, funâmbulos e menestréis. Por outro lado, também me parece algo natural de ser negado pela ótica acadêmica instituída, que tende a se demorar na aceitação dos próprios desdobramentos do fazer teatral, em suas inúmeras e sempre renováveis vertentes estéticas. Vide, por exemplo, a proporcionalidade de grupos de teatro de rua contemplados pela mesma lei de fomento ao teatro, em comparação com os trabalhos realizados em palco italiano ou similares...
O Teatro de Intervenção é um fazer teatral legítimo, político e extremamente transformador — passível, inclusive, de muitos cuidados no sentido trazido à tona pela Iná Camargo, para que saia do raio de atração do marketing, da publicidade ou dos interesses corporativistas que possam colocá-lo num patamar que, em essência, nunca foi seu.

1 Comments:

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