Nùcleo de Teatro de Rua ELT

Tuesday, June 20, 2006

Entrevista Com Georgette Fadel



Fonte: Portal da Cooperativa Paulista de Teatro


Portal da CPT — Dentro da sua trajetória profissional e da pesquisa da Cia. São Jorge de Variedades, como você vê o teatro realizado na rua?


GEORGETE FADEL — Isso é uma vida, não é? Quando eu penso numa coisa eu sempre e imediatamente penso também no contrário. E então as opiniões que eu emito sobre as coisas me parecem meio superficiais. Quando eu penso em teatro de rua, eu penso em festa popular, em teatro tradicional, em bumba-meu-boi, naquelas cheganças ou na festa do divino, que eu assistia nas festas de São João, em Laranjal Paulista, perto de Tietê, que tinha um clima... Era como se aquilo é que fosse a vida mesmo e, na verdade, todo o resto fosse a manutenção de um estado um pouco de dormência. Eu lembro muito do carnaval ou do natal em Laranjal, então sempre que eu penso em teatro de rua eu penso nessa onda, parece que eram os momentos felizes da minha vida.
Eram momentos de festa, literalmente festa — o que hoje a gente procura, por exemplo, indo a uma boate... mas não é a mesma coisa! Mesmo porque tem uma ingenuidade, nada assexual, pelo contrário, sexual pra caramba, mas é plenamente compartilhada por crianças, velhos, adultos, jovens, etc., onde tudo tem um aspecto teatral, inclusive brigas, conflitos, tudo ganha um aspecto festivo, colorido.
Então, quando eu penso em teatro de rua, eu já penso direto nessas paradas: maracatu, que eu vi no Recife, aquela vontade de dançar e cantar...


Nós somos a vanguarda


Portal — O Amir Haddad encara isso como um "teatro de celebração"...


FADEL — Uma celebração! Celebração da colheita, da vida, do acasalamento, da morte. Eu lembro do autofalante em Laranjal, por exemplo, tocando "Ave Maria" e anunciando o falecimento de fulano de tal. Eram coisas que me tocavam profundamente, eu passava o dia inteiro triste por conta daquilo. A festa junina no entardecer, a roda gigante...
Eu não comecei falando que eu penso numa coisa e já penso na oposta? Hoje, aqui em São Paulo, a gente pensa: ah, eu não quero fazer o tradicional; eu quero fazer o novo na rua. O que é que é a nova rua? O que é que é a dança da alienação, qual é a dança da urbanidade? Aí você pensa no hip-hop, manifestações também festivas mas amarguradas em algum lugar, de protesto, de luta, quase que pela sobrevivência, conquista de espaço, porque o espaço não está garantido. Pelo contrário, vai cada vez mais ficando mais restrito, difícil, parece que a gente está numa guerrilha e que a gente está num movimento de resistência. Mas a gente não está, não é?
O Celso Frateschi falou, uma vez, que "nós não somos a resistência, somos a vanguarda". A gente deveria ser temido! E acho que até somos, sabia? Por exemplo, essa coisa do programa municipal de Fomento ao Teatro, que alcança uma mini-fatia da produção teatral de São Paulo, a gente ameaçou ir para a rua, para protestar com fim do fomento, quando o Serra assumiu, na madrugada anterior eles chamaram a gente para conversar, voltaram atrás na decisão e o fomento, a trancos e barrancos, resiste e persiste — sempre fadado um pouco à crise.
Parece que, em algum momento, a gente vai ter que dar uma pequena enlouquecida e arriscar um pouco mais. Eu penso sempre na figura do Paschoal da Conceição, que, gostando ou não gostando, errando ou não errando, ele erra grande! Ele vai para a Câmara dos Deputados e diz: "eu sou Mário de Andrade e você vai ter que jurar, aqui na frente de todo mundo, que pá pá pá pá pá pá..."! Ele tem uma interferência política muito forte, ele acha que o teatro tem que ir até onde está o teatro, meu!
Nesses lugares públicos, nessa farsa toda que foi armada e os artistas, na verdade, são os únicos que não estão vestindo as máscaras. Está acontecendo uma inversão! Parece que a gente não está mais vestindo máscara, porque justamente a única máscara útil da gente vestir agora é a não-máscara, porque está todo mundo tão mascarado que você, ao buscar o seu eu profundo...


Portal — Você mostra a máscara do dito-cujo!


FADEL — Exatamente. Por isso que é um trabalho que é o oposto, não é?


Esmagamento econômico


Portal — O Alexandre Mate te considera uma das maiores atrizes de teatro de hoje em dia...


FADEL — Coisa de amigo!


Portal — Dentro da tua ética e da tua estética, da tua forma de ver o teatro, o acontecimento teatral, onde é que você está feliz e onde você se sente insatisfeita com o que se produz atualmente pelos grupos? Nós vivemos atualmente uma época de grupos, de novo, graças a Deus! Foi resgatada essa história. E a Lei de Fomento tem muito a ver com isso — ou então é resultado disso! A História é quem vai responder isso. Onde é que o teatro de rua está acertando e, principalmente, onde está pecando do ponto-de-vista estético?


FADEL — Eu não tenho a dimensão pra te responder de uma maneira épica. Vou responder intuitivamente, porque eu tenho assistido à minha própria experiência, a que eu acompanhei dentro dos albergues (e a nossa vontade é que o próximo espetáculo seja na rua), tenho assistido às interferências do Núcleo Bartolomeu de Depoimentos, tenho assistido ao Tablado de Arruar, ao Grupo XIX com a experiência lá na Vila Zélia. Então a minha visão é restrita.
Mas eu passo muito na Praça da Sé e fico observando aqueles vendedores, os caras que pulam no meio das facas, os caras que ficam fazendo desenho no meio da Rua 24 de Maio, o centro da cidade é extremamente... feira livre! Tem aquela pauleira, aquela coisa sonora maravilhosa que rola numas feiras livres especiais de São Paulo, mas mesmo assim uma coisa muito restrita perto do movimento teatral que rola.
Sinto que está rolando um esmagamento feio, que nos falta acabamento, que nos falta a possibilidade de uma dedicação, de um treino específico garantido, uma infra-estrutura, um local de ensaio, com possibilidade de acesso a cursos, a treinamentos, que a gente possa ficar o dia inteiro com aquele trabalho, com aquele grupo, e que isso responda às necessidades financeiras de cada um dos membros daquele coletivo.
Eu, por exemplo, trabalho em setenta mil lugares ao mesmo tempo. Em alguns momentos isso é perfeitamente viável e tudo se junta numa coisa só. Mas, em outros momentos, isso acaba com a minha possibilidade de me dedicar o suficiente a algum trabalho. Então eu tenho que ter ali tudo o que eu precisa ter, pro trabalho dar certo. Mas eu não tenho o tempo de aperfeiçoamento e a verba necessários para um acabamento, que me permita convidar profissionais que possam me ajudar a elevar a minha arte, num diálogo. Às vezes você tem que fazer tudo meio sozinho, porque você não tem como dividir nada com essas pessoas que viriam trabalhar com você se tivessem algum retorno financeiro. E com toda razão!
Chega um determinado momento em que a vida depende um pouco de você conseguir fazer a sua manutenção mínima na cidade de São Paulo. Eu sinto que a gente é esmagado economicamente. Você fica dependendo de uma insegurança muito grande, o que interfere muito na sua psiqué, pois você fica numa insegurança constante em relação ao futuro, de uma tal maneira que parece que você está sempre vendido.


Trampolim para o palco italiano?


FADEL — Eu estou tentando construir uma casinha lá pros lados de São Lourenço da Serra pra ver se eu consigo escapar dessa roda-viva da cidade... Tentar ficar alguns dias lá, plantando na hortinha, franguinho de lá, mel, arroz, tentar construir uma vida um pouco auto-suficiente pra poder ganhar liberdade...


Portal — Liberdade vem da auto-suficiência?


FADEL — Eu estou achando que a gente está começando a ser expulso da pólis! Não sei se algum dia a gente foi incluído, eu não tenho uma noção histórica tão ampla pra dizer sobre essa trajetória do artista. Mas eu sinto que o teatro tem uma força... A gente cresceu assistindo televisão e cinema americano, e muito pouco teatro (processo que vem de antes da gente nascer). A gente já nasceu diante de um teatro que parece que a gente é uma cópia mal feita de cinema e televisão, ou que tem algum pezinho ali. Então, a gente ainda está correndo atrás da força espantosa que o teatro pode ter.
Eu sinto isso quando a gente fala de sacerdócio, de disciplina, de impecabilidade desses guerreiros, de treinamento desse ator, de mente-corpo-espírito e tal... A gente vai indo, vai indo e vai indo. Mas quando a gente vai pra cena, a gente sente que a nossa expressão não está atingindo esse lugar tão sagrado da representação. Eu estou aqui jogando muita coisa fora, não é? Eu já falo e ao mesmo tempo eu já penso em acontecimentos teatrais...


Portal — Só pra você ter uma idéia, ao criar esse espaço virtual dentro do portal da Cooperativa Paulista de Teatro, voltado a quem pesquisa sobre teatro de rua, eu fui informado que no acervo da USP há apenas uma tese sobre o assunto. Isso reflete o que? Nós não temos uma visão acadêmica sobre teatro de rua. E política cultural, o que será que temos, além deste programa municipal de fomento ao teatro? Quem está sediado em municípios vizinhos à Capital, por mais que desenvolvam seus trabalhos também nela, não tem possibilidade de pleitear esse tipo de verba. E, a menos que inventem uma catraca em espaço público, teatro de rua não prevê bilheteria de forma alguma.
Por outro lado, para a iniciativa privada a falta de absoluto controle seu sobre a liberdade intrínseca ao Teatro de Rua na opinião do dramaturgo Luiz Alberto de Abreu, pode muito bem inviabilizar patrocínios das grandes empresas. Somadas todas as edições da Lei de Fomento, o que se nota é que, proporcionalmente, embora plenamente merecedor, é muito pequeno o número de grupos de teatro de rua fomentados.
Não estará ocorrendo uma forma equivocada de a própria classe — que é quem (graças a Deus!) julga os projetos apresentados em cada edição — encarar o teatro de rua?


FADEL — Diante desse esmagamento todo, pequeno-burguês, o teatro de rua é historicamente desvalorizado como um teatro menor. Parece que o teatro, mesmo, é o do Stanislavsky, do palco italiano. Eu adoro ele, acho que ele deve ter sido maravilhoso, não é preconceito em relação a ele. Mas, quando a gente entra numa escola, das mais tradicionais, você começa a estudar teatro, sei lá, pelo realismo.
Você vai estudar o teatro de rua como algo alternativíssimo, como se ele não fosse teatro por excelência e o palco italiano ou da caixa fechada sim: a alternativa de teatro. Mas o teatro de rua é com certeza o ponto dos mistérios medievais, de muito antes dos gregos. Onde era feito o teatro? Então, existe uma desvalorização, ao mesmo tempo dialética, porque mesmo dentro da escola se diz que você só aprende a fazer teatro depois de fazer teatro de rua! Então quase que o teatro de rua é um treinamento para um ator poder fazer dignamente um teatro que interessa, que é o teatro da sala fechada! O teatro que tem o silêncio, que tem a luz, um bom comportamento do público, uma relação hierárquica com a platéia, que bota aquele talento todo e aquele jogo de cintura todo — que ele adquiriu na rua e, por causa da barulheira da rua, não pôde ser visto direito —, aí ele vai pra sala de espetáculo e bota um foco naquilo lá, silêncio, todo mundo comportado pra admirar a sabedoria daquele ator. Isso existe, sim.
Na verdade, teatro de rua é Teatro! Nos outros você bota o epíteto, o adjetivo necessário, entendeu? TEATRO. É na rua? É dentro da caixa preta? Ah, bom! Aí, teatro de rua já vem quase como sendo uma outra arte. O teatro, que significa algum lugar fechado, preto, essa coisa caixão, esquisitíssima que é, e o teatro de rua, que é quase um "apêndice" do teatro.
No nosso imaginário, nós que começamos a fazer teatro, às vezes, por pura vaidade, porque nós queríamos ser olhados, obviamente o palco italiano é a melhor opção, porque bota um foco na tua cara, com uma puta maquiagem e você fica lindo, andando de um lado pro outro. A gente sabe que noventa por cento dos atores entram em cena por isso: para serem amados. E nada melhor do que botar você ali, no pedestal, pra você ser amado.


Conviver com os miseráveis


Portal — O que é que, em essência, legitima o artista levar sua expressão teatral para o espaço aberto?


FADEL — Escuta! Qualquer pessoa tem legitimidade para ir pra rua e fazer o que quiser. Acho que isso é que é o tesão. Eu posso ir pra rua plantar bananeira e ficar ali, cinco mil horas, plantando bananeira, ninguém tem nada com isso. A rua é legítima por si só, mesmo dentro de uma estética teatral. Você tem o direito absoluto de experimentar qualquer tipo de coisa, acadêmica, não acadêmica, convencional, não convencional, festa, tragédia, a puta-que-pariu na rua!
A rua é de todo mundo, não tem essa. Agora, falando mais no sentido da classe teatral, o que é legítimo ao ir pra rua é que, ao ir pro teatro fechado, geralmente você está falando pros seus amigos, hoje em dia. Por baixo, cinqüenta por cento daquelas vinte, cinqüenta ou cem pessoas que estão sentadas na platéia pra te assistir estão se auto-alimentando, e às vezes criando processos de separação estética e ideológica e não de sociabilidade, entendeu?
Eu vou te falar uma coisa bem cafonona mesmo: quando a São Jorge foi para o albergue, o que a gente queria era conviver com os miseráveis, porque a gente sentiu que a gente não tinha linguagem, quase que não era mais a mesma espécie! O tamanho da nossa culpa, do nosso medo, dos sentimentos de inferioridade e superioridade envolvidos era uma coisa tão tremenda, que a gente passou pelo menos um ano, dos dois anos e meio que a gente ficou lá, tentando entender como se encontrar na diferença.
Coisas bem simples, como você saber que você tem sete calças no seu guarda-roupa, que você tem dez pares de meia e que aquela pessoa foi assistir a sua peça porque não tem meia e a sua peça tem fogueira, então ela vai lá pra esquentar o pé. Então, são relações muito loucas, de uma culpa muito grande, profunda e uma distância enorme, um vocabulário totalmente diferente, que até a gente se entender, ali, como ser humano, demorou muito.
A gente questionou, por exemplo, as relações de amor. A gente se apaixonou por albergados, rolou caso de amor por algumas meninas e isso, em nenhum momento, foi vivido, porque tem uma separação, uma impossibilidade do tesão, um perigo muito grande de um encontro amoroso entre a classe média e um miserável carrinheiro. Tem o problema do alcoolismo, que está ali no albergue e não vai poder te sustentar...


Portal — "Bastianas" conseguiu traduzir isso tudo?


FADEL — A gente passou uns perrengues. A gente não tem a dimensão de saber se o espetáculo conseguiu traduzir. O retorno do público é de que a peça tem uma sensibilidade diferente por ter sido gerada dentro do albergue.


Portal — Vocês apresentaram em outros espaços?


FADEL — A gente ficou em cartaz no Centro Cultural São Paulo, agora...


Portal — Mas e quanto a outros espaços livres, abertos?


FADEL — Apresentamos em algumas cidades, em praças não tão expostas ao barulho, em praças um pouco mais recolhidas, porque a gente não usa microfone e tem momentos mais delicados do espetáculo, então a gente tem um limite. Então, a gente sente que ganhou uma sensibilidade justamente porque o nosso coração abriu um pouquinho, ali, no sentido cristão-sofisticado — não no cristão-católico, burro, da culpa. O contrário, que é o da não-culpa. A gente conseguiu dissolver um pouco, entender um pouco a armadilha na qual nós nascemos.


Ampliando a própria realidade


FADEL — Eu nasci numa família, meu pai era malufista — agora, graças a Deus, abriu bastante a cabeça dele porque ele é um ser em transformação, maravilhoso —, mas eu passei a minha infância inteira sem ouvir falar nas histórias de ditadura, nunca participei das histórias desses presos políticos, dessas torturas, dessas histórias todas do país. Até os meus 16, 17 anos, eu sempre fui alienada. Quando eu vim pra São Paulo, comecei a fazer teatro.
Às vezes eu passeio pelo centro da cidade e me sinto uma estrangeira no meu país, sinto que o país é muito mais "daquela gente" do que meu, que fico passando de um teatro para outro. Então, essa legitimidade é dada pela vontade de conversar com as pessoas, de procurar as pessoas, os irmãos que estão na rua, os irmãos que não vão ao teatro. Estou falando de irmãos mesmo, porque a gente sabe que é aquele nêgo que não vai pagar nem dois nem dez reais. Não é questão de pagar, é que aquilo está distante da realidade dele. O que está próximo da realidade dele é a novela das oito, das nove e das dez, que é aquele alívio, aquele sossego do perrengue que ele vive o dia inteiro, vendendo coisa no semáforo e a puta-que-pariu.


Portal — E no entanto, a gente percebe que esse sujeito está super-aberto à magia... Proponha-se o elemento mágico que for, ele entra, ele embarca, ele aposta. Ele tem uma relação de "fidelidade" muito maior, grande parte das vezes, do que a dos amigos que vão assistir a gente...


FADEL — Claro! O que dá legitimidade é o fato de ter uma grande parte da população que está ali e quer falar com eles, simplesmente. E isso é mais do que legítimo. Eu quero falar com eles e vou lá pra rua pra falar com eles! Na verdade, falar o que interessa, onde interessa falar. Dentro do aspecto da diversão, veja como é divertidíssimo fazer essa festa, essa história na rua. É mais divertido quando pega um negócio na rua do que quando pega no palco. É mais divertido! Não sei... parece que aquilo está totalmente atrelado à pulsação da Vida... você não precisa se isolar da vida pra realizar essa magia. Você pega o nêgo no momento mais da vida dele e, dentro daquele caminhar dele, ele expande a consciência dele.


Portal — Dentro da própria realidade dele...


FADEL — Acho que isso tem um valor. Uma coisa é você se arrumar pra ir pro teatro e outra coisa é o teatro invadir a essência do seu ser, invadir o teu almoço, estetizar o teu cotidiano. Eu estou falando de mais ou menos valioso, tralalá, isso é uma grande bobagem, eu sei. Mas como a gente não tem um vocabulário pra falar, a gente acaba às vezes comparando. Mas não é uma questão comparativa.
Pra valorizar o teatro feito na rua... olha só, quando você vai e se senta no metrô, esse teatro de todos os dias, é uma delícia ficar olhando pras pessoas, tentando imaginar o que elas estão pensando, essa velha história, isso é o que interessa, porque, na verdade, se nós fôssemos realmente felizes e sofisticados seres humanos pacíficos e amigos e amantes e aquela paz e aquele paraíso sonha, teatro seria uma coisa simplesmente de 24 horas por dia!
Dança seria isso aqui que eu estou fazendo, a minha dança! Ou como eu falo ou como eu estou aqui vestindo essa máscara e falando com você. Ou seja, seria simplesmente o modo de as pessoas existirem. O que eu gostaria mesmo era de acordar dançando, cantando, tocando, fazendo teatro, pondo e tirando máscara e tal, e fosse dormir feliz. Fosse isso! Escolher o prato, o que comer, as cores, a organização do prato, onde eu vou, onde eu não vou, como eu caminho o meu andar, pra dentro, pra fora, o penteado que eu faço, como eu falo "oi", o meu sotaque, a minha maneira de tudo, não é? Eu tenho muito mais vontade da Arte por aí do que a arte do gênio ou daquele que inventa alguma coisa...


Sementes sobre a pedra


Portal — Será que há algum artista, que tenha se sentado, acendido um cigarro ou um incenso, colocado uma música de fundo, se isolado e decidido: "vou criar uma obra-prima que me transformará num gênio", Fadel? Não creio. Penso que ele, no máximo, coloca ali, naquele espaço-tempo, com todas as fibras do seu coração, tudo o que precisa dizer pro mundo. Mas é quem recebe o recado, seja lá quem e porque for, que o compreende e o considera "gênio"...


FADEL — Exatamente! Mesmo o Stanislavsky, o Brecht e todos esses coitados, que ficam submetidos à nossa mediocridade, de não digerir as coisas e cagar a nossa própria bosta, entendeu?
Não, a gente já cata e vomita. Aí, então, o coitado do Stanislavsky, na legitimidade dele, lá no teatrinho que o pai dele montou pra ele, na casa dele, estava lá, fazendo as experiências que cabiam a ele, e que a gente deveria considerar como experiência de uma pessoa, numa determinada época, e que nos servem como exemplo de como é possível experimentar com profundidade... sabe? Isso devia legimitar a nossa liberdade.
Não, aí o cara vem e é criticado, é descritidado, é amado, é louvado... puta-que-pariu! Às vezes a gente perde uma vida inteira falando sobre uma vida que já passou e não cria a continuidade dessa vida, dessa semente. Você fica ali, estudando a semente, não bota ela em terreno fértil pra gerar o fruto. O cara lutou a vida inteira pra ser uma semente e aí a gente pega e põe essa semente em cima duma pedra, pra ficar observando ela. O negócio não vai dar nada!
É claro que deu milhares de frutos pra quem soube olhar. É que nem essa discussão sobre teatro-dança. Que coisa irritante. Meu!
Boa dança é teatro e bom teatro é dança...! Boa vida é dança, boa música é dança! Eu estava vendo um vídeo daquele grupo inglês, acho que se chama DVDez, que fez uma coisa chamada "Peixe Estranho". É um monte de bailarino com um humor tão sofisticado, muito teatrais, muito bons atores no sentido do jogo, em termos de relação, uma conexão muito boa, bons atores não no sentido diva, mas no que toca à comunicação entre eles. Muito teatral. E eles vão escarafunchando umas merdas do ser humano, do amor, de relação, sem uma palavra! Só com relação corporal, um negócio alucinante. Quem vai vir me falar sobre teatro-dança?
Deixa criar, deixa abrir! Teatro? Dança? Não importa. Interessa que isso aqui eleva o ser humano, me pega por uma coisa que eu vejo todo dia. Meu! Eu olho e digo: é assim, é isso aí, mesmo. Eles conseguiam relevar as leis do movimento amoroso: rejeições, atrações, os conflitos, superbonito mesmo. Então esse negócio de "teatro pra isso, teatro pra rua", etc., eu acho um saco isso tudo. De repente, isso pode até tolher... Vai e faz!


O jogo está no jogo!


Portal — É possível levar um "Romeu e Julieta" ao pé da letra, sem parecer, por exemplo, se tratar de uma montagem para palco apresentada na rua, sem considerar o diálogo com o espaço...


FADEL — O próprio Sheakespeare não fazia o teatro dele, com o barulho do rio, os atores tendo que ter potência pra encarar aquelas pessoas gritando, comendo e aplaudindo no meio? Talvez tenha sido até mais árduo ali do que até o teatro de rua, hoje, no meio da Praça da Sé.
Hoje sabemos que era um espaço aberto, com um palco que invadia o público, ou seja, não era um palco chapado, com muita barulheira da cidade, não é? O rio, tudo ao redor não era uma coisa silenciosíssima, com o público se manifestando, metendo o bedelho... então, imagina esses atores! A gente tem, no mínimo, um híbrido aí. Não era um teatro em palco, entendeu?
Então mesmo isso dá pra você desconfiar. Eu faço "Romeu e Julieta" onde o meu coração mandar, onde esse caminho tiver um coração! Não precisa de autorização, eu acho mais do que possível. Mas obviamente isso não deve ser feito por uma atitude "experimental", "heróica" no sentido de "ah, eu vou ver se é possível", dentro de uma visão acadêmica. Não, tem que haver uma postura de "eu gosto pra caralho deste texto, acho esse texto lindo, acho que funciona, tenho a maior vontade de fazer essa história de amor na rua, numa cabana em cima duma árvore, porque eu gosto do texto, acho que vai pegar", sabe?
Não por um experimentalismo vão, mas por uma vontade real de artista. Não por uma vontade de pensador, mas uma vontade de artista, de brincar com aquilo, de jogar aquilo como uma bola mesmo, um jogo. O que mata muito a gente são essas experiências intelectuais com o teatro. Não é aí que está o jogo. O jogo está no jogo! Não interessa muito a regra... É tão divertido ver um jogo de tênis como ver gente pulando a cavalo, quanto ver uma formiga se afogando numa poça, é tudo interessante, contanto que o jogo esteja vivo.
Isso é que vai matando... Dizer que teatro de pesquisa é chato não é verdade, porque o jogo proposto por essa pesquisa, por mais que não esteja pronto, se está vivo é um tesão de ver. Você vê risco, gente experimentando em risco. Risco intelectual não existe! Quem fica pensando não se coloca em risco. Quem vive em função do que pensa se coloca em risco.
Mas você tem que ter ação radical em relação àquilo que você pensa. É aquilo que está no prefácio do Artaud: "foda-se qualquer filosofia que não seja prática", que não seja o seu modo de viver, aí não é nada. Pelo contrário: é um cadáver mesmo. Então, esse teatro que entra em cena pra pensar é chatíssimo... Ir pra rua pra estudar a rua? Não! Ir pra rua pra jogar, pra fazer o samba rolar!


Política pública é arremedo


Portal — E qual é a desse novo trabalho que a Cia. São Jorge de Variedades está querendo levar para a rua?


FADEL — Ah, a gente está sentindo um "Dom Quixote", sabe!? Acho que a gente vai sair com uns cavaleiros da triste figura... E talvez nós dez, onze ou doze, vamos todos estar em cena como dons quixotes brigando com outdoors ou fazendo declaração de amor pra postes de luz, pra lua, pra Mãe Terra... Eu estou ecológica, com muita vontade de ser ecológica...


Portal — A direção vai ser tua?


FADEL — Escuta, eu quero entrar muito forte como atriz. Eu estou devendo isso pra São Jorge, porque nas "As Bastianas" o processo com certeza foi delicado, primeiro porque é um espetáculo que eu não dirigi, foi o Luis Marmora quem dirigiu, o que significou pra mim um momento de adaptação. Agora eu queria entrar com mais força desde o começo. Ou talvez dirigir, não sabemos ainda! Talvez haja uma direção coletiva, acho que a gente está com uma maturidade pra conseguir isso, inclusive, por exemplo, com cada um dirigindo um trecho do espetáculo, criando uma multi-linguagem, sem uma unidade estética, mas uma unidade conceitual justamente nessa colagem.
Mas a nossa vontade é ir pra rua, assim como a gente foi para o albergue, porque a gente estava sem teto mesmo! Então a gente se albergou. E a gente agora está indo pra rua exatamente porque nos parece que não há outra saída. De alguma maneira, a gente está sentindo que um isolamento vai acontecendo. Está tudo lindo: a gente tem quatro espetáculos prontos mas não tem um tostão, a gente só tem dívida. Então beleza, vamos passar o chapéu e pedir comida!
Nós vamos pleitear a Lei de Fomento, mas isso nos dá o que? Seiscentos, setecentos reais por mês, que, às vezes, eu gasto em gasolina pra vir três vezes por semana a Santo André, ou mesmo em transporte coletivo, ou seja, não sustenta. A gente está sentindo que, se a gente fizer uma ação mais potente, radical, mais forte, a gente vai ter um chapéu até melhor do que qualquer... sabe, a história da auto-suficiência?!


Portal — A Cia. Bonecos Urbanos, por exemplo, descobriu e formou um público no Parque da Água Branca, segundo eles, com chapéus consideráveis...


FADEL — Exatamente. Tesão! Esse negócio de política pública é também um arremedo, não é? O Estado tem que assegurar os artistas?


Portal — Depender disso é um arremedo...


FADEL — E a gente depende! E fica tentando aprovar lei, papapá e um monte de coisa e tal, porque não tem jeito, porque se não tiver isso o nosso público não nos garante. Se a gente resolve cobrar 20 reais, quem vai? Eu já não posso ir! A classe média já não pode ir por 20 reais. Não está dando mais pra comer fora, quando você precisa. É um negócio que está se amarrando, então, você tem que cobrar aqueles 10 reais, meia é cinco, e se você tem cem pessoas, você tem 500 reais, então você não paga nem um ator com uma apresentação. Às vezes é raro você colocar cem pessoas ali dentro, então o negócio vai se amarrando, você não vive da sua bilheteria...


Portal — E aí você olha pra rua e vê que ela está cheia de gente...!


FADEL — Então vamos pra lá! Se todo mundo der 1 real... sabe assim? Pode ser que eu esteja falando uma grande merda quando falo sobre essa coisa da auto-suficiência, mas a vontade que dá é a da gente fazer uma coisa tão potente, que a própria população precise e nos queira e nos alimente com seus 2 reais ou 50 reais ali, no nosso chapéu! E que a gente possa ter a coisa da política pública, mas sem depender única e exclusivamente dela, pra não quebrar as pernas como a gente quebra quando não pega o Myriam Muniz, o Petrobrás nem nada. A São Jorge não pegou nada!
O que acontece? A gente se amarra e a nossa produção fica capenga. Aí vai virando uma bola de neve, porque com uma produção capenga a gente não consegue pagar uma produtora, não consegue vender, não consegue fazer a manutenção dos espetáculos... A coisa vai ficando pobrinha, no mau sentido, porque o espetáculo foi concebido com uma determinada luz e tem que ser feito com dez refletores porque você não consegue mais alugar! Então aquilo fica ruim e os nêgo não pagam bem, também! Tudo começa a ficar bem esquisitão.


Retomar a verdade do mundo


FADEL — A gente precisa ir reconquistando esse perigo, essa diferença com o cinema e a televisão, corpos super-prontos para a expressão forte, pra que seja impossível não parar pra olhar, que seja impossível não dar o que se tem na carteira pra esses nêgo! Sabe assim? Batalhar pela excelência do nosso trabalho, que a gente já batalha, mas cada vez com mais afinco? Pra gente reconquistar o apoio maciço popular. Maciço! Eu estava vendo naquele livro do Nerino, sobre circo, quando um circo saiu de uma cidade e aconteceu um monte de suicídio.


Portal — A vida esvaziou...


FADEL — A cidade estava acostumada com aquilo, lá. Eles estavam lá há muito tempo e tiveram que sair de lá, por algum motivo, e aí rolou um monte de suicídio na cidade.


Portal — É magia!


FADEL — As pessoas se matarem porque não têm aquilo, porque de repente a vida perde toda a significação, se não for dançada, cantada e vivida nas suas potencialidades de máscara. Eu sinto que é aí que está a força real. Aí é que está a magia mesmo. Só que a nossa sociedade está toda organizada contra a magia. Tanto é que o feminino, na nossa sociedade, está cada vez mais fora da parada. As bruxas não estão soltas! Outras bruxas é que estão soltas...
Eu estou sonhando algo, estou sonhando lá no paraíso, mas você paga o que for porque você precisa daquilo — não como uma droga, mas como a visão aberta, a possibilidade da alegria, da colheita do trigo, de fazer a comida, cantar, botar aquela pitada daquele tempero especial...
E a gente está na cultura do fast food, não é? Totalmente na contramão. O fast food não dá dinheiro pra gente, então a gente vai pro estrado! E o nosso Estado é o que é. A gente está vendido, como eu comecei a conversar com você. Todos nós estamos vendidos. A gente precisa lutar pra garantir alguma liberdade, lá no fundo das nossas consciências, porque tem os filhos pra sustentar e o perigo de amanhã não ter essa comida.
A maravilha do teatro de grupo está aí, porque eu sei que, se eu passar fome, vou bater lá na sua casa e você vai ter certeza de que seus filhos nunca vão passar fome porque você vai bater lá na minha casa. Agora, em algum lugar, tem o risco de todos nós empobrecermos a um determinado ponto que a gente não tenha na casa de quem bater, ai! Puta-que-pariu, será que isso vai acontecer?
Não, não vai acontecer porque somos-muitos-somos-fortes, somos-muitos-somos-fortes! E parece que a gente está guerreando contra alguma coisa, e a gente está: contra essa mentalidade não-mágica, não-religiosa no sentido elevado da palavra religião...


Portal — Sagrado.


FADEL — Eu sinto que é aí que está a nossa força: na retomada da verdade sobre o mundo. O mundo não é um monte de matéria acumulada, até os cientistas sabem disso, pois já estão começando a admitir uma inteligência organizadora e presente nos elementos.
E na cidade a gente não tem terra boa, não tem ar bom, não tem sol bom... entendeu? Aí realmente a magia é colocada embaixo da avenida 23 de Maio, é encarcerada aqui embaixo da avenida dos Estados, os nossos rios, as nossas águas estão todas debaixo dessas avenidas masculinas, desses viadutos, dessas coisas, não é? Então a arte vai junto com esses rios! Tanto é que, muito simbolicamente, o Teatro da Vertigem vai para o Rio Tietê, porque existe uma comunhão muito grande entre o teatro e essas águas apodrecidas que, mesmo assim, resistem e continuam correndo, e tudo o mais.


Entrevista concedida a Carlos Biaggioli, em 10/06/2006,
na Escola Livre de Teatro de Santo Andre (SP)

Entrevista com Luis Alberto de Abreu


Fonte: Portal da Cooperativa Paulista de Teatro


Luís Alberto de Abreu — A minha experiência com teatro de rua não é muito grande. Começou em Tiradentes (MG) com um projeto muito interessante sobre a história da cidade e das personagens que tinham passado por ela. De certa maneira era uma celebração aos moradores de Tiradentes, os que já tinham morrido. Isso era feito na rua e o cenário era a própria fachada da casa dessas pessoas. Para mim, essa foi uma experiência muito importante.
Depois eu comecei um projeto de pesquisa do teatro de rua com a Claudia Schapira aqui na ELT, onde a gente pesquisou sobre a dramaturgia de teatro de rua. Daí pra frente, eu tenho me aproximado cada vez mais.


Fora todo o estudo da tradição do teatro brasileiro, que tem muito a ver com a rua, das festas, de uma liturgia de rua, de encenações de rua que seria muito interessante a gente recuperar para essa nova prática de teatro de rua que está havendo no Brasil.


Portal — No ano passado, a convite do Movimento de Teatro de Rua de S. Paulo, Amir Haddad aventou que, hoje em dia, a saída para o que ele chama de "teatro morto" seria o teatro de rua, pelo resgate do contato do artista com a sua "matéria-prima"...


Abreu — O Amir Haddad é um sujeito respeitável. Concordo com a opinião dele no sentido de que na rua a gente tem um contato com outro tipo de público. E nesse sentido a gente aprende muito. É um público completamente liberto, que não está preso pelo ingresso nem pela convenção educada de se assistir e de se aplaudir no final. Então, para o artista, é muito interessante porque, na verdade, ou ele segura e interessa a pessoa de fato ou ela vai embora, porque tem outras coisas para fazer.
Nesse sentido, o teatro de rua é muito rico. Esse público é muito rico. E eu concordo com o Amir Haddad que o teatro de rua pode renovar completamente a relação teatral que existe. Eu não sei se o palco italiano está morto ou não. Mas acho que muito do maneirismo, tanto na dramaturgia como na encenação quanto na interpretação, e muitas das convenções que ele adquiriu estão mortas. O teatro de rua tem força para sacudir o palco italiano.
Aliás, quando a gente fala de teatro de rua, a gente devia falar de teatro de palco italiano, porque o teatro mesmo é rua. Essa relação humana é fundamental, isso é o Teatro. O teatro italiano é só uma parte desse grande teatro, dessa grande relação humana direta que existe no mundo.


Portal — Tem-se discutido muito da questão da dramaturgia especificamente direcionada para a rua, que mistura um monte de ansiedades em nome de teatro de rua. Houve colegas que citaram o fato de hoje em dia ter virado moda confundir teatro de rua com bumbo, perna-de-pau ou nariz vermelho – que também são ou não são dramaturgia para a rua. Como o senhor vê essa questão, dentro e fora do Brasil? Há alguma luz apontando nesse sentido?


Abreu — Na pesquisa de dramaturgia da rua ou nos apontamentos que eu tenho sobre dramaturgia para a rua, a minha referência é sempre as festas populares, o teatro de rua das cheganças, da marujada...
Eu pego o Mário de Andrade e fico lendo essas dramaturgias, esses grandes espetáculos de rua, e fico tentando entender – já que a gente não tem mais, ou está muito distante – o pouco que ficou. Isso não é nem mesmo uma pálida imagem do que era mesmo no século 18.
Eu fico tentando imaginar qual seria a dramaturgia de rua. E eu tenho aprendido muito, ali, no sentido de que a poesia é um elemento muito forte para a dramaturgia da rua. Acho que quem trabalha na rua não pode descurar da poesia, que é um elemento muito forte. A música é um elemento muito forte, o corpo é um elemento muito forte. Isso sempre foi muito forte, na rua.
Nesses espetáculos populares, que era o nosso teatro de rua, isso orientou toda uma dramaturgia. Como eu disse, eu não conheço muito, não tenho muita experiência sobre teatro de rua, mas toda vez que eu penso em fazer ou vejo espetáculo de rua, eu sempre foco nesses elementos fundamentais que é a poesia, a música (o canto, obviamente) e o corpo. Isso me parece que é fundamental.
Todas as outras coisas são acessórios muito interessantes.


Portal — Inclusive o texto.


Abreu — O texto vem no canto, vem na narrativa. A gente pega, por exemplo, uma chegança ou uma nau catarineta, é tudo em versos. O texto está no próprio canto e, quando não está no canto, está nos diálogos, que são versificados, como acontece no teatro vicentino, que tinha um pé no palco e outro pé na rua.
A rua estava muito próxima do teatro de Gil Vicente. Quer dizer, esse teatro italiano e espanhol, esse grande teatro ibérico, ele tem muito a ver, a gente pode aprender muito com ele. Eu não iria reinventar o teatro de rua.
Eu iria me aproveitar desses fundamentos que estão aí e eu tentaria retrabalhá-los, na dramaturgia, para o tempo de hoje, para as relações de hoje. Obviamente a gente aprende a fazer teatro de rua fundamentalmente fazendo, não é? É dessa relação. Mas eu acho que não custa a gente ter alguns parâmetros.
O teatro ibérico dos séculos 16 e 17 é fundamental, para mim, porque estava muito próximo do teatro medieval, que era rua. E as festas populares. Conseguir ver uma nau catarineta e abstrair qual é a dramaturgia daquilo, como aquele espetáculo foi pensado para segurar esse público flutuante, que passa.
Obviamente aí tem uma série de outros elementos, corais, que são muito importantes também. Figurinos. Ocupação do espaço. Tem tudo isso, mas são elementos que compõem a dramaturgia.


Portal — Na cidade de São Paulo, o Movimento de Teatro de Rua (em consonância como movimento da Bahia, do Recife) vem buscando um pensamento, propiciando que os grupos atuantes se conheçam, se assistam e discutam sobre seus trabalhos sem critérios de julgamento. Qual é a tua opinião sobre a importância disso?


Abreu — É precioso um movimento nesse sentido. Na época em que eu comecei a fazer teatro, no final da década de 70, o teatro era feito tão-somente, invariavelmente no palco, com pouquíssimas experiências de teatro de rua.
E, de repente, o palco, as casas de espetáculo são limitadas, em número, inclusive. Não estão respondendo mais à efervescência cultural que existe nesse país. Existem muito poucos espaços para as necessidades do teatro.
Eu acho que um movimento de teatro de rua é uma resposta, mesmo. Quer dizer, a gente não precisa de um espaço-teatro, o Teatro não é um prédio, ele é um lugar que se convencionou para esse encontro importante, ritual e fundamental. Essa consciência quem nos trouxe foi os espetáculos desses grupos que foram para a rua, falando: não, o teatro é muito mais.
Como dizia o Calderón de La Barca, "o mundo é o teatro". Eu posso transformar qualquer espaço em teatro, desde que eu tenha um espetáculo e um público. Então isso foi muito rico, e abre um caminho enorme para o trabalho do artista, de ir ao encontro do público.
Teatro convencional, em palco italiano, a 60 reais o ingresso? Impossível. Uma cultura não sobrevive com isso. Mesmo com 200 ou 300 teatros desse, a sessenta paus não se faz cultura. Nem nesse país e nem, talvez, em qualquer país da Europa. A saída para a rua é o diálogo direto com o pulso do público, com o pulso da contemporaneidade. Daí saem muito mais coisas do que ficar encerrado dentro do palco italiano.


Portal — E não somente a questão do custo do ingresso. Mas também a questão de o teatro de rua interferir no cotidiano, como é o caso do Núcleo Bartolomeu de Depoimentos ou do Grupo XIX de Teatro, por exemplo, que se propõem a enfocar e transformar a realidade naquele momento, criando determinados estados-de-espírito das pessoas seja numa vila industrial ou no Viaduto do Chá. Há esse tipo de importância. Agora, para que isso venha mais e mais à tona, qual é o seu ponto-de-vista sobre políticas culturais voltadas para o teatro de rua.


Abreu — Política cultural é importante, mas a questão cultural só pode ser resolvida pelos produtores culturais, ou seja: os grupos que fazem. Eles não devem esperar isso. Muito pelo contrário, eles devem começar a fazer, a se articular e a exigir.
O primeiro ponto, fundamental, é fazer e, a partir daí, se articular para exigir uma política cultural, que não virá "do alto". Não é político que vai resolver a questão cultural no país: são os produtores de cultura.
O primeiro estágio é fazer, mesmo, essa interferência direta. Isso é fantástico, porque cria realmente para o país uma paisagem cultural, além da paisagem de prédios, de pessoas andando na rua e tal. É uma paisagem cultural, o que é de fundamental importância.
Uma pessoa caminha pelo Viaduto do Chá, por exemplo, e passa por uma experiência diferenciada que ela não tem na vida e não vai ter em nenhum outro veículo de informação. A exigência de políticas culturais, portanto, é fundamental, mas tem que partir de uma articulação dos produtores de cultura — e não do discurso de "pedir verba".
Não. Precisa-se pensar projetos. Uma política cultural, como foi pensada e feita o Programa de Fomento para o Teatro na Cidade de São Paulo. Aí sim, o produtor cultural ele tem uma força, de colocar, de exigir e de discutir uma verdadeira política cultural.
As políticas culturais geralmente são abarcadas por políticos. Não. É questão, é desafio para os produtores de cultura.


Portal — Qual é a tua opinião sobre leis de incentivo, que colocam nas mãos da "lei do retorno", da iniciativa privada, os critérios sobre o que é e o que não é bom?


Abreu — Eu não vejo o que essas leis de incentivo trouxeram de benefício para a cultura. Trouxeram benefício talvez para alguns produtores de cultura, talvez para alguns proprietários de teatro ou de cinema.
Mas eu não vi a grande transformação que tenha vindo através das leis de incentivo. Não estou falando para se acabar com elas, não. Mas para nortear a produção cultural por outros caminhos. Apoio por outros caminhos, por outras fórmulas. Aí eu acho que são os produtores de cultura, mesmo, que vão ter que fazer isso.
Senão, a gente corre o risco de ter muitas leis de incentivo, com muito dinheiro e com muito poucos produtores culturais com acesso a elas. E, na verdade, é isso o que acontece, não é? No cinema, no teatro.
Tem uma infinidade muito grande de grupos de teatro, de gente querendo fazer cinema, mas que não tem acesso aos benefícios das leis de incentivo. Então, que política cultural é essa? Restrita, não é? É necessário uma política cultural que atenda à produção e à qualidade desta.


Portal — À produção e à pesquisa também...


Abreu — Com certeza. Não há como separar uma coisa da outra. Não dá para chamar de produção a reprodução: "não, então eu vou montar tal peça". Não, isso não é pesquisa. A pesquisa é novos caminhos, um novo contato com o público, novas formas do fazer teatral me parece que é muito mais importante do que uma lei de incentivo.
Eu pego uma Lei Rouanet e, se eu conhecer aí algum grande empresário interessado em escorregar uma verba, ali, então eu consigo produzir. Quem não tem esse acesso não consegue. Ou quem tem um espetáculo que não seja do interesse dele.
Principalmente se for teatro de rua. Que grande empresa está interessada em teatro de rua, onde grande parte do que é feito não é previamente estabelecido? Corre o risco de a Shell patrocinar um espetáculo de teatro de rua em que o sujeito vai falar contra a Shell!
O teatro de rua é muito livre, nesse sentido, quanto à interação direta com o público. Isso aí talvez não interesse a quem vai trabalhar com uma lei de incentivo. Eu não diria para acabarmos com ela mas o foco fundamental não deve ser as leis de incentivo, com certeza.

AMOR MONTADO NO TEMPO - Sonoridades Amorosas



Por Cristiano Gouveia


PRÓLOGO


O Núcleo de Teatro de Rua da Escola Livre de Teatro, ao final do ano de 2005, iniciou um processo de pesquisa, tendo como fonte um tema e uma linguagem. A provocação lançada ao grupo por Ana Roxo, coordenadora do núcleo, era de que o tema fosse o AMOR. E que os trabalhos práticos se desenvolvessem buscando sempre uma linguagem SUTIL na rua, buscando assim, dentro dessa sutileza, não cair de cara na primeira imagem que nos vem à cabeça quando se fala em teatro feito na rua, nas pernas de pau e nas grandes personagens eloquentes.


À medida em que cenas e intervenções eram criadas e improvisadas pelos atores à partir do tema proposto, surgiram também algumas necessidades.


DO SILÊNCIO AO SOM


A pesquisa sonora dentro do Núcleo, surgiu à partir de uma dessas necessidades do grupo, à medida em que o canto, a música e as primeiras células de percussão começaram a surgir.


À convite da Ana (a quem agradeço muito por abrir essas portas), iniciei com o grupo um trabalho musical, utilizando como base de nossa pesquisa a voz e seus desdobramentos no canto e na fala. A partir desse primeiro passo, surgiram as primeiras dúvidas: quais as diferenças entre a fala do ator dentro do teatro e na rua? Como cantar? Como podemos nos utilizar da sutileza na rua? Há espaço para o silêncio?


NA COVA DOS LEÕES


Embriagados por essas e outras questões, nasceu o espetáculo O AMOR MONTADO NO TEMPO, composto atualmente de três peças: Boneca de Madeira, Começo do Caminhar e Quem Paga o Pa(c)to?, onde poderíamos, enfim, experimentar, experienciar todas essas provocações na nossa "cova dos leões", frente ao público. Não aquele público que se pré-dispõe e paga seu ingresso e vai assistir dentro de um espaço fechado, mas aquele que se dispõe no exato momento em que decide assistir e não continuar caminhando pela rua.



Em Quem Paga o Pa(c)to?, peça que narra os enlaces e desenlaces de um casal, a proposta sonora vem de encontro com o velho ditado: "em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher." Então, toda sonoridade que a peça precise, é executada vocalmente pelos dois atores em cena. Apenas no início, onde não há ainda o pacto, há uma música cantada pelas personagens Ademir e Giovanni, dois amigos, desses de buteco. Após o encontro de Ademir e Dulce, e seu casamento, não há música, efeito sonoro, que não venha das vozes do casal.


No decorrer , há somente uma trilha gravada, uma música do Roberto Carlos mixada com um jogo de futebol. A trilha externa vem neste momento, por ser o momento da descoberta de como o tempo (fator externo) pode corroer esse pacto. Mas mesmo a trilha gravada é operada pelos dois atores.




Em Boneca de Madeira, que conta a trajetória de 3 mulheres, a vontade era levar a provocação inicial de como utilizar o sutil na rua à fundo, abusando dos sons de pequenos sinos, escaleta, e, principalmente, do silêncio. Afinal, na trama uma das personagens, depois de experiência traumática, não fala. Emudece. E resolvemos levar esse silêncio pro todo. Mas é possível silêncio na rua? Essa pergunta ainda nos provoca, mas com as experiências práticas nas apresentações, mesmo que ainda sem resposta clara, constatamos que o silêncio SIM pode estar presente, pode ser construído em nossa roda nas praças por aí. Um silêncio como caminho para abrir nossa escuta.


Outra vertente era essa voz que pode ser mandada pra roda do público, ou simplesmente numa conversa, uma relação com dois ou três, pequena, sem esquecer do todo, mas confiar também nessa relação.


E cantar. Cantar canções, sejam elas existentes (como a "Nuvem de Lágrimas"), sejam elas criadas para o tema (como a canção "Ana, Humana", canção criada por mim para outro projeto que não vingou, e que se encaixou perfeitamente nesta história, mudando até o nome da personagem), infantis (como "Santa Clara"), ou canções que vão silenciando à medida que se é tocada (como a "Cortei o Dedo", tema da personagem que não fala). Para serem acompanhadas por um violão nas mãos de um homem, ora apenas músico, ora personagem, que entra para dar o contraponto nesse universo de trajetórias femininas criado dentro da roda.




Por fim, em Começo do Caminhar, peça que fala de um menino, sua mãe e um homem "perfeito", e a relação entre eles, deles com o mar, e seus desdobramentos, a opção de sonoridade foi escolher uma única canção, a música "Lugar Comum", de Gilberto Gil, e também brincar com seus desdobramentos dentro da peça. É a música que a mãe sempre cantou para o filho, que acompanha essas pessoas desde suas infâncias. Como diz a canção: "tudo isso vem, tudo isso vai pro mesmo lugar de onde tudo sai."




Ainda em temporada, AMOR MONTADO NO TEMPO, tem um retorno positivo, até pra visualizar pontos que ainda não tocamos, ou que tocamos pouco. E que questões como a utilização da fala, busca de projeção da voz em geral, como melhor utilizar cada espaço que se chega, ainda estão presentes na nossa pesquisa musical.


E nosso grande passo é de que, antes leões, percebemos o público agora como parceiros construtores desse nosso começo do caminhar do núcleo de teatro de rua.

Tuesday, June 13, 2006

Algumas considerações sobre Commédia Dell' Art

Fontes:
"Commedia dell’arte: an actor’s guide" de John Rudlin
http://www.jc.uol.com.br/noticias/ ler.php?codigo=11570&canal=125
http://www.videotexto.tv/commedia_dellarte.html
http://www.commedia-dell-arte.com/
http://shane-arts.com/commedia-stock-characters.htm


*Movimento da commedia dell’arte se inicia na segunda metade do século XVI, a partir das feiras, durante o renascimento comercial. Ali se encontravam vendedores que tinham grande habilidade apelativa, charlatães que vendiam poções e remédios milagrosos. A tradição dos carnavais, principalmente em Veneza, também influenciou a comédia dell’arte, com suas máscaras, sua comicidade. Há autores que consideram uma certa descendência no teatro popular latino (p. ex. Plauto).


*Durante o carnaval, nenhum homem usando máscara podia carregar nenhum tipo de arma consigo (costume habitual na época), pois considerava-se que um homem de máscara havia se despojado de sua identidade cotidiana e assumido outra persona de tal maneira que não poderia ser totalmente responsável por suas ações.


*Assim que surgiu e por algum tempo, a commedia dell’arte não era conhecida como tal. Outros termos eram usados como commedia degli zanni, commedia a soggetto, commedia all’improviso, commedia all’italiana. A denominação commedia dell’arte foi disseminada, no século XVIII, por Carlo Goldoni.


*No final do séc XVI e mais posteriormente, a commedia dell’arte tinha como principais características: uma estrutura profissional, a utilização de máscaras, a apresentação ao público em lugares abertos, ao ar livre. Na mesma época existia a chamada comédia erudita, que era feita por diletantes, além de não utilizar máscaras e ser apresentada em espaços fechados, geralmente para integrantes da corte.


*A commedia dell’arte pode ser considerada um fenômeno social já que, de maneira pioneira, há a escolha de uma identidade profissional dentro da sociedade no sentido de comprometer-se com a arte. Um fenômeno artístico e social.


*As técnicas performáticas foram sendo transmitidas, sucessivamente, para os membros mais novos na trupe. Essa transmissão foi se dando ao longo de quase um século.


*Havia grandes companhias. Uma das primeiras, constituída em 1545, am Pádua, se chamava "Zanini", ainda não havendo no início récitas totalmente calcadas no improviso ( como mais tarde se dará).


*A commedia dell’arte cresceu como arte de origem popular, sendo somente mais tarde transformada em convenções adotadas por autores renomados.


*Como a Itália só se unificou no séc XIX, a commedia della’arte teve diferenças regionais nos dialetos utilizados, nos personagens de maior sucesso em dada região, além de personagens menores que eram apresentados só em algumas regiões.


*A MÁSCARA CONCILIA EM ASPECTOS DIVERSOS DE CARÁTER E TRAZ EM SI UM PARADOXO. Diferentes pólos contidos na máscara.


*A commedia dell’arte exigia do ator uma disponibilidade de corpo e mente. O ator dominava a arte do gesto e do movimento.


*Os espetáculos da commedia dell’arte eram criados coletivamente, a partir de roteiros (canovacci) contendo referências sobre o encaminhamento e os pontos-chave da trama, além de indicações de entradas e saídas de atores. permitia ao ator ou atriz desenvolver sua personagem de modo contínuo. A idéia baseava-se na composição de um repertório variado para o tipo, capaz de satisfazer ou de contornar situações imprevistas e momentâneas. O que significava, de certo modo, uma improvisação previamente concebida e estudada. O esquema básico do canevás, verdadeira peça-sinopse, articulava-se em torno dos seguintes personagens: a) os pares quase sempre inescrupulosos de uma ciranda amorosa, em que A desejava B, que amava C, que pretendia D, que se apaixonara por ª Esses pares jogavam com o lado mais sério do enredo; b) os zanni, derivados dos mimos e bufões latinos, representando empregados domésticos, valetes ou lacaios - Briguela, um jovem astucioso, arguto e aproveitador (do qual nascerá Fígaro); Arlequim, o ignorante, vadio, preguiçoso e glutão, quase sempre trapaceado por Briguela, mas que incorporou mais tarde dons musicais a fim de se tornar gracioso e elegante; e Pulcinella, Polichinelle ou Polichinelo, respectivamente as versões napolitana, francesa e lusitana de Maccus, personagem antiqüíssimo da farsa romana, o mais sofisticado, belicoso e cruel dos empregados, personagem sem fé nem lei; c) os velhos - Doutor Graziano ou Balanzon, médico ou advogado, pedante e estúpido, e Pantaleão, o negociante de Veneza, um amante ridículo, libidinoso, por vezes avarento, por vezes ferino ou gozador; d) o Capitão, figura de soldado cheio de empáfia, fanfarrão (por referência, na época, aos invasores espanhóis), descendente de miles gloriosus greco-latino, e que se revela covarde em momentos decisivos de conflito. Recebeu nomes locais como Spavento, Matamoros, Scaramouche ou Fracasso; e) a criada ou serva, cúmplice de uma das enamoradas, conhecida como Franceschina, Olivetta ou sobretudo, Colombina, mais esperta ou sagaz do que propriamente cômica, e que acabará se casando com um dos zanni. Com exceção dos amorosos, todos os demais se caracterizam pelo porte de máscaras propositamente disformes, carnavalescas, em cores distintas: estampas diversas para Arlequim, verde e branco para Briuela, preto e branco para Pulcinella, preto para o doutor e vermelho para Pantaleão. Os enamorados eram considerados máscaras apesar de não usarem máscaras, pois são tipos fixos, de caráter fixo.


*No partido ridículo ficavam os velhos cômicos (Pantaleão e o Doutor), o Capitão e os criados (ou zanni, como Scaramuccia ou Escaramuche, Pulcinella ou Polichinelo, Scapino e Truffaldino), que ainda se subdividiam em primeiro zanni (criado esperto, que conduzia a trama) e segundo zanni (criado ingênuo e atrapalhado). O mais famoso personagem da commedia dell’arte é um criado, o enigmático, astuto e insolente Arlequim (Arlecchino).


*Uma mudança revolucionária para a época e definitiva para a história do teatro foi a incorporação cênica das mulheres. Menciona-se Lucrezia, de Siena, como a primeira atriz a participar de uma trupe de comdiantes, em 1564, durante uma apresentação em Roma.


*PERSONAGENS:
Zanni – Diminutivo de Giovanni. Eterno desafortunado, sem posses. Costumam se apropriar do que é alheio (principalmente malas, cartas,...). Têm forte instinto de sobrevivência.


BRIGHELLA: Primeiro zanni. Sempre mantém seu status, é vaidoso. Faz intrigas, consegue comida através de truques. Servo inescrupuloso, sempre está em par com o Arlechino. Se move rapidamente, é ágil.

ARLECHINO: Pueril, é o criado que faz par com Brighella. Tem memória curta (não guarda mágoas), está sempre com fome. É dinâmico, parece ter urgência nas ações físicas. Tem poderes mágicos.


Magnífico – O velho apaixonado, pai de alguma enamorada que deverá ser enganado durante a trama.


PANTALONE – também chamado de Petulon, Pultruzon, Pianzamelon, Zanobio, Pandolfo, Lattantio. Sua máscara representava o típico burguês em ascensão na época - capacidade de negociar, sua tendência a acumular bens, sua avareza. Não tratava bem os criados (os zanni). Aparecia na trama geralmente como um impedimento da ação. Alguns lazzi: lazzo do teste de urina, lazzo da impotência, lazzo da extração de dente

Monday, June 12, 2006

Teatro para Paraquedistas

Um Ensaio sobre o “Teatro de Intervenção”



Por Carlos Biaggioli*

Em 2003, o Movimento de Teatro de Rua rompeu a placenta lá no Barracão Cultural Pavanelli, com um seminário que reuniu os grupos de teatro de rua atuantes na capital paulista. Foi muito bacana, pois, além de alguns convidados (entre os quais o Joca Andreazza), os grupos foram colocados frente a frente pra discutirem temas específicos. Eu perguntei ao Marcos Pavaneli por que o “teatro de intervenção” não estava nessa pauta e, vapt-vupt, lá estávamos nós, do Grupo Manifesta de Arte Cômica, destrinchando essa história com ninguém menos do que o Ilo Krugli (gente!).

“Teatro de intervenção”, para ser sincero, é um termo que eu inventei para designar o que artistas vêm (também), desde sempre, fazendo em espaços ao ar livre, abertos ou não convencionais. Outro dia, em sua participação num seminário promovido pelo Tablado de Arruar, a Iná Camargo nos fez pensar nisso ao citar o agitprop russo e alemão, pós-outubro de 17. O que Sérgio Khair e eu trouxemos à baila não tem este caráter tão estritamente político, como se compreende aquele momento histórico. Mas, cá entre nós: “o que é ser político?”.

Tanto o Grupo Manifesta como a Cia. de Rocokóz são grupos, constituídos de palhaços, que nasceram entre coxinhas, piscinas de bolinhas e brigadeiros, apresentando-se para platéias que nem se compreendiam como tal, muitas das quais “caçadas a laço”. Alçamos vôo para buffets e aí, sim... a coisa complicou mais ainda, pois passamos a enfrentar a concorrência desleal de máquinas de games e horários de cortar bolo. Valentes, seguimos! Vieram os “eventos”, sociais, empresariais, etc. Embora não o tivéssemos codificado, ainda, dessa trajetória toda fomos engrossando um caldo que, em 1995, começou a se entornar num campo bastante “novo” para a gente...
Ora, pílulas! O que vínhamos fazendo, nesses anos todos, em muito pouco se diferenciava do que ressalta, por exemplo, o Dario Fo (em seu Manual Mínimo do Ator), quando fala da “arte do improviso”, com a qual os artistas, no seu infindável ziguezague pelo coração do mundo medieval, tiravam seu sustento das apresentações de suas trupes. O que é o improviso senão um rico e vivo repertório de manhas-e-artimanhas cênicas, arduamente conquistadas, não raro, durante uma vida inteira de prática do ofício? Aí eu não tenho como me esquecer da Paoli Quito, que definia esses achados como “presentes de anjos” aos que a todo instante lançavam-se nos abismos da relação com a platéia, sem saberem onde iam dar... Qual é a impressão que comumente se tira desses “improvisos”? É tão orgânico... mas tão orgânico... que parece inventado na hora! Uma poderosa isca para pescar os transeuntes que, distraídos ou não, ainda não estivessem na roda de suas apresentações, ao fim das quais recebiam seu quinhão de dinheiro ou de alimentos para continuarem suas jornadas.
Seja na rua, na praça ou no lugar público que for, existe melhor maneira de se inserir nele do que compartilhar sua dimensão criativa com quem natural e cotidianamente o habita?
No seminário do ano seguinte, o movimento recebeu o Amir Haddad, sem dúvida alguma um dos baluartes do teatro de rua brasileiro, juntamente com o pessoal lá do Sul, de BH e os coletivos organizados nas principais capitais do Nordeste. Quando definiu o teatro de rua como sendo “um momento de celebração com o público” (o que é raro de ser verificado, por exemplo, no palco italiano burguês) — isto é, como sendo um momento transdimensional gerado eqüitativamente tanto por ator como por espectador —, a gente começou a juntar as peças do nosso próprio quebra-cabeças... coisa que, aliás, é muito comum a partir de determinado ponto da trajetória profissional, quando se começa a pensar sobre o que, até então, se vinha simplesmente fazendo.
Respeitadas as devidas proporções, o que o Grupo Manifesta e a Cia. de Rocokóz vem fazendo desde a sua origem é exatamente redimensionar os ambientes em que atua e, rapidamente, num primeiro instante, transformar o cidadão por acaso ali presente, isto é, o “paraquedista”, em “espectador” (pouco importando sua idade ou classe social). O passo seguinte é criativamente inseri-lo na proposta cênica — seja ela um cannovacio de palhaços ou alguma ação teatral temática realizada em evento, empresa, escola ou em que espaço não convencional fosse. É o que ambos os núcleos vem realizando, por exemplo, com o projeto Risoterapia, realizado há 10 anos dentro e fora de hospitais por ambos os grupos, ou a versão clownesca de Dom Quixote e Sancho Pança, do Grupo Manifesta.
Mas vamos voltar um bocadinho à Iná Camargo, quando ela nos contou sobre a frustração dos revolucionários alemães que se utilizavam do teatro de agitprop ao sacarem que seus bordões libertários estavam simplesmente sendo revertidos a favor, por exemplo, da propaganda que desembocou, em 33, na ascenção nazista ao poder. Diz a Iná: “nós não estamos falando de brincadeira de criança. Teatro de rua e agitprop são coisa séria, muito importante. São armas que, mal manejadas, podem virar munição para o inimigo”.
Isto é a mais pura expressão da verdade. É uma enorme pena que ainda flagremos em portas de lojas ou ao redor de palanques políticos grande parte dos artistas que, conscientemente ou não, desenvolvam esse tipo de fazer teatral, um banquete servido aos interesses de quem rebaixa um instrumento profundamente transformador a um usufruto meramente mercantilista.
No entanto, nunca nos esqueçamos que grande parte desta responsabilidade cabe ao próprio artista que ainda não reconhece o tem nas próprias mãos. Seja técnica ou seja talento (de preferência ambos), é totalmente dele a capacidade de se valer de personagens ou de situações teatrais para, a todo instante, e em espaços considerados não propícios a isso, gerar um diálogo altamente transformador com a população local.
Uma coisa é abrirmos um jornal na sessão de teatro, escolhermos uma peça, nos arrumarmos para tal, sairmos de casa rumo à casa de espetáculos, pagarmos o ingresso (!!!!!), entrarmos, aguardarmos os três sinais e, confortavelmente acomodados em nossa poltrona, assistirmos à obra. Outra coisa, diametralmente diferente, é estarmos em algum lugar público (ou até mesmo um “evento” ou algo similar) e sermos “fisgados” — ou “raptados”, na visão do Roland Barthes — por um acontecimento que foge, que rasga o cotidiano de cada um de nós, ao mesmo tempo como indivíduo e coletivo social, no qual, muitas vezes até sem perceber, mas de forma criativa e crível, por mais escalafobético que possa parecer, eu sou inserido, envolvido e me veja em condições de compartilhar aquilo à partir da minha própria visão de mundo, da minha própria opinião sobre aquilo.
Não é novidade alguma tudo isso que estamos conversando aqui, concordam? Desde o teatro grego, passando pela era medieval e depois pela época elisabetana (lembrem de como aconteciam as coisas no Globe Theater), e entrando pelo teatro de todos-os-ismos do fim do XIX pra cá.
Por mais que, por exemplo, o teatro épico do Brecht tenha virado uma espécie de consenso (visão esta que deve sempre ser questionada, até mesmo em respeito ao que o dito-cujo pregava) no que diga respeito ao fazer teatral na rua, em espaços abertos ou não convencionais, a gente sabe muito bem que, embora a rua sinalize para um teatro não aristotélico, isto é, composto de cenas que independam umas das outras — de maneira que o passante tenha a possibilidade de, no curto espaço de tempo que possa dedicar àquilo, levar consigo algo de concreto —, não podemos também desconsiderar o fato de que o realismo também se torna um recurso valiosíssimo no sentido de possibilitar que, a partir da verdade emocional de seu personagem, o ator gere um diálogo muito interessante com seu espectador.
Cabe aqui um parêntese para trazermos à baila o tipo de pesquisa que vem sendo desenvolvido pelo Núcleo de Teatro de Rua da Escola Livre de Teatro de Santo André, iniciado a oito mãos por Claudia Schapira e Roberta Estrela Dalva, do Núcleo Bartolomeu de Depoimentos, bem como por Luis Alberto de Abreu, na supervisão dramatúrgica, e por Marcelo Milan, com técnicas circenses, e atualmente coordenado por Ana Roxo, cuja trajetória está muito bem explicitada em um artigo do Antonio Rogério Toscano, constante no espaço dedicado ao Teatro de Rua pelo portal da Cooperativa Paulista de Teatro (www.cooperativadeteatro.com.br). Outra fonte muito interessante para conhecer essa pesquisa é www.teatroderuaelt.blogspot.com.
Levando tudo isso em conta, em 1995 a gente percebeu que animar festa ou evento era o mesmo que "acender vela debaixo do sol". E, a partir da experiência que trouxe um trabalho realizado junto a trabalhadores de cozinha industrial em 40 cidades por todo o país, no início desta década, por ocasião de uma forte epidemia de cólera, nós constatamos que era realmente procedente nosso intuito de ir atrás de um teatro itinerante e interativo que possibilitasse transformação em nossas platéias espontâneas, fosse esta em que que ambiente ou em que nível (individual ou coletivo) fosse.
Nossa vereda é a do Humor, sempre foi. Dia desses, por sinal, um colega veio me perguntar o que é preciso ter para ser palhaço. Cara-de-pau? Técnica? Dom? Eu simplesmente respondi: uma vontade visceral, quase sobre-humana (e a um passo da pura paranóia) de fazer rir. Feito este pequeno parêntese, voltemos ao assunto. A nossa pergunta passou a ser: é possível conscientizar sobre cólera, AIDS, loucura, droga ou até mesmo sobre miséria, dor, doença ou o que quer que seja, nesse âmbito, usando o riso, a palhaçada, a irreverência estrategicamente direcionados? Em 1995 a gente viu que sim, numa palestra do Michael Christensen, um palhaço norte-americano que espalhou pelo mundo uma rede de palhaços em hospitais — sendo os Doutores da Alegria sua “subsidiária” brasileira.
O riso é, no meu ponto-de-vista, ao mesmo tempo uma atitude revolucionária, regenerativa e renovadora. Em outras palavras: é uma atitude política! Sobre isso há artigos, opiniões e estudos publicados a mancheia. O fato é que, na rua e nos espaços não-convencionais o que se observa mais comumente é que o humor cria um diálogo mais direto na relação interativa ator/personagem-espectador. Quando ri, o cidadão parece estar afirmando que “sabe do que se trata” e cabe, daí em diante, à ação teatral conduzi-lo pelos desdobramentos daquilo. E ele vai, podem ter certeza!
Seja onde for — empresa, evento, rua, praça, corredor de hospital ou páteo de escola —, o que nossa experiência vem dia-a-dia comprovando é que o espectador-paraquedista, que caiu ali de repente, sem se preparar para aquilo, ele quer uma vivência nova, verdadeira e (sim, Brecht tinha razão nisso!) divertida. E vamos mais além: o paraquedista, por mais curto que seja o tempo que dedica à condição de espectador, ele é fiel a ela. Você pode escrever, que eu assino e registro em cartório: ele quer dialogar com aquela história, sentir-se dentro, mesmo que indiretamente, isto é, ele precisa se sentir parte daquela vivência. O Teatro de Intervenção tem exatamente nisso o seu cerne principal.
Então, meus amigos e colegas, é hora de revermos determinadas crenças nossas...
Em uma reunião realizada na Cooperativa Paulista de Teatro, por ocasião da formatação de um fórum artístico cujo tema será exatamente o “teatro de rua e em espaços abertos ou não convencionais”, fiquei impressionado quando os colegas ali presentes não quiseram considerar o teatro de intervenção como parte das discussões. Tentei argumentar utilizando os exemplos do Projeto Risoterapia, dos Doutores da Alegria ou até mesmo a do Grupo Ivo 60, cuja pesquisa que partiu de experimentações calcadas em intervenções teatrais realizadas nos espaços mais estapafúrdicos, pesquisa essa hoje em dia contemplada pelo programa municipal de Fomento ao Teatro. Tudo em vão. Disseram que “intervenção não vem de encontro ao tema desse fórum artístico”.
Não é por aí. Mesmo. A menos que seja lícito negar as infindáveis riquezas contidas nesse arcabouço que sustenta o teatro de intervenção, fruto constante de uma inventividade herdada dos primórdios do Teatro, das antigas trupes de mambembes, saltimbancos, funâmbulos e menestréis. Por outro lado, também me parece algo natural de ser negado pela ótica acadêmica instituída, que tende a se demorar na aceitação dos próprios desdobramentos do fazer teatral, em suas inúmeras e sempre renováveis vertentes estéticas. Vide, por exemplo, a proporcionalidade de grupos de teatro de rua contemplados pela mesma lei de fomento ao teatro, em comparação com os trabalhos realizados em palco italiano ou similares...
O Teatro de Intervenção é um fazer teatral legítimo, político e extremamente transformador — passível, inclusive, de muitos cuidados no sentido trazido à tona pela Iná Camargo, para que saia do raio de atração do marketing, da publicidade ou dos interesses corporativistas que possam colocá-lo num patamar que, em essência, nunca foi seu.

O CIRCO E SEUS DILEMAS

Por Mario Bolognesi
professor e pesquisador do circo brasileiro

O circo, hoje, no Brasil, enfrenta profundas transformações. Ao mesmo tempo em que se expandem os espaços e grupos que se dedicam às artes circenses, presencia-se um cenário de dificuldades cada vez mais acentuado ao trabalho dos circos de lona.

Os circos enfrentam dificuldades de toda ordem, que desestimulam o trabalho artístico e tolhem a população do acesso à mais antiga forma de espetáculo popular do país. Dentre as várias razões desse declínio, uma deve ser pontuada com ênfase: muitas vezes, as Prefeituras e as autoridades municipais não se sensibilizam para receber o circo em suas cidades. Ao contrário, colocam barreiras das mais diversas naturezas, quando não proíbem sumariamente a entrada do circo no município.

Antes mesmo do sucesso do Rádio, e posteriormente da Televisão; antes mesmo do Cinema, do Teatro e da Dança, os circenses, no Brasil,
cumpriram o notável papel produtores e irradiadores da cultura. Eles procuravam e alcançavam localidades jamais visitadas por outras companhias artísticas. O circo, ao contrário, desbravou culturalmente todo o país, levando oportunidade ímpar e diferenciada de diversão e cultura para as mais diversas localidades brasileiras, tanto no modelo de variedades circenses, como com o circo-teatro, com papel inestimável na formação da memória cultural brasileira. Verdadeiramente, um sentimento nacional se forjou a partir da ação do circo e do circo-teatro em nosso país. Por essas razões, as artes circenses precisam ser valorizadas em nosso país, a exemplo do que ocorre no exterior.

São extensas e extremas as dificuldades do exercício da profissão do circense. Eles enfrentam as adversidades naturais tais como chuvas fortes, vendavais e temporais, que colocam em risco a casa de espetáculo e a moradia dos artistas e técnicos. Os artistas têm diante de si o risco de vida nas evoluções acrobáticas as mais arriscadas. Em virtude da itinerância, os circenses não têm acesso aos direitos comerciais que se estendem aos demais cidadãos, como a disponibilidade do sistema de crédito. A companhia circense fica excluída das disponibilidades financeiras oferecidas pelo sistema bancário, que poderia aprimorar a estrutura física da casa de espetáculo e de moradia dos artistas. Raras vezes os circenses itinerantes têm acesso às políticas públicas, culturais ou sociais.

Para desenvolver seu trabalho, os circos continuam sujeitos aos interesses e às vontades das autoridades municipais que nem sempre reconhecem a sua importância na formação do cidadão e da cultura brasileira. A sumária proibição da entrada de circos em várias cidades brasileiras tornou-se fato comum. Cada município estabelece normas particulares.

Atualmente, enquanto tramitam no Congresso Nacional projetos de leis que reconhecem e regularizam a atividade circense, procurando corrigir uma deficiência histórica, os circenses enfrentam a luta aguerrida de algumas ONGs contra a presença de animais no espetáculo.

O circo moderno nasceu com animais participando do espetáculo. Os cavalos foram os motivadores dos primeiros espetáculos e dos primeiros circos, na Europa, no final do século XVIII. A eles agregaram-se os cômicos, os saltimbancos, os funâmbulos, os atores dos teatros de feira, os pirofagistas, mágicos, equilibristas e muitos outros artistas, como também os domadores de animais exóticos e ferozes, como ursos, leões e macacos. As tradicionais corridas de touros foram igualmente incorporadas ao espetáculo.

No século XX, as técnicas de treinamento evoluíram. O treinamento dos animais deixou de ser o do castigo e tomou o caminho do chamado “reforço positivo”, que premia o animal quando ele executa a contento uma evolução. Os animais dos circos, na atualidade, nasceram no próprio circo, isto é, em cativeiro. Desde a infância eles são habituados ao convívio circense.

Os circos que trabalham com animais se submetem à legislação federal, sob inspeção constante do IBAMA. Os domadores e proprietários de circos são obrigados a apresentar laudos veterinários de sanidade física e mental dos animais, além dos respectivos atestados de vacinação.

Hoje, no Brasil, muitos municípios proíbem a entrada de circos com animais. Os circenses lutam para reverter esse quadro. Os circenses, em nenhum momento, foram ouvidos. Essas leis comprometeram não só o desenvolvimento dos circos que optam por ter animais em seus espetáculos, como também a própria imagem dos circenses e sua arte. Mas, é preciso acrescentar, os circenses que hoje optam por animais no espetáculo não são complacentes com os maus tratos aos animais. Os animais são seus artistas.

Como é típico de nosso país, a memória e a história não têm a devida valorização. O não reconhecimento da importância do circo na formação cultural brasileira é uma dessas graves facetas. Estamos lutando por isso.