Nùcleo de Teatro de Rua ELT

Saturday, April 22, 2006

Entrevista Tablado de Arruar

de Portal da Cooperativa Paulista de Teatro


Portal — O ator e performer australiano Thomas Hollesgrove se declarou impressionado com o conteúdo político do espetáculo "Movimentos para atravessar a rua". Diante da visão comum que nos coloca aquém do que acontece no cenário cultural do primeiro mundo, isso é bastante significativo. Por conta de resultados concretos vindos de um tipo de pesquisa bastante peculiar e de duas contemplações da Lei de Fomento ao Teatro, o trabalho de vocês, com apenas quatro anos de vida, já está reconhecido. Marco Zero, Praça da Sé. Com roupas de ensaio, em meio a instrumentos musicais, mochilas e pertences pessoais. Enquanto, de forma muito criativa, eles tiram de cena um morador de rua, um dos atores faz anotações enquanto outra integrante canta rubricas e observa as improvisações. É o Tablado de Arruar criando um novo espetáculo, diante do público, que não abandona a roda. Vamos conversar com Martha Kiss e Chico Barros. Como é que vocês vêem a questão do conteúdo político no processo de criação?


Tablado de Arruar — [Martha] Você viu que, quando nós tiramos de cena o morador de rua, nada tinha a ver com o fato nos estar "incomodando". A cena acontecia num ambiente privado da classe dominante e ali tinha seguranças que reagiram à presença do morador. Em "Movimentos...", se fosse um camelô, provavelmente ou até mesmo morador de rua a gente não tiraria — principalmente no episódio do mercado de papelão. É muito comum entrar morador de rua e a gente "agregá-lo" como personagem da história que a gente está contando.


Portal — Em "Movimentos...", houve uma ocasião em que um deles entrou na cena gritando: "eu falo hebraico!"...


Tablado de Arruar — Sim! Esse morador de rua passou a seguir as nossas apresentações e um dia pegou nosso telefone na filipeta e nos ligou para avisar que "faltaria porque estava doente"! Isso é próprio do teatro de rua. Não existe divisão muito clara entre público e ação da cena.


Portal — Mas não acontece aí o fenômeno da transformação do transeunte em sujeito da ação?


Tablado de Arruar — Isso nos interessa muito. Até que ponto essa interferência é transformar o público em sujeito da cena? Fizemos um workshop de Teatro Fórum com um assistente do Boal. Aí, sim, é espectador em situação de ator, interpretando. Em "Movimentos...", a gente abre para a platéia opinar se o personagem Trindade deve ou não matar o morador de rua. E por que. Nesse momento, a platéia está literalmente ativa dentro da história. No entanto, a gente já tem a carta marcada e a pessoa não vai modificar o final.


Portal — Nunca aconteceu nenhuma surpresa vinda do público?


Tablado de Arruar — Infelizmente não. A barbárie dos dias atuais é tanta que, quando o Trindade acerta as contas com o morador de rua, essa atitude é quase regra e a maioria do público grita: "mata!". Às vezes tem gente com perspectiva mais humana. Quando aparece alguém do hip hop, ele já amplia: "o problema é o sistema, que leva o cara a isso". Mas é raro as pessoas ampliarem a discussão; ainda fica muito na questão da vingança, da moral, do certo e do errado. E a gente questiona o nível de participação do público. É próprio do teatro feito nas ruas — e dos vendedores — trazer alguém do público para uma brincadeira ou um jogo. Isso é legal. Mas o público ainda está sendo meio usado, não é? Até que ponto dá pra ir essa relação com a platéia? Com o Boal, isso é uma outra história...


Portal — Como se dá o processo de criação do Tablado de Arruar?


Tablado de Arruar — Conteúdo político e maneira de trabalho são coisas que não andam separadas. A gente tem um discurso claro e o aplica na reflexão sobre a maneira de trabalhar.


Portal — O pensamento, às vezes, não se torna um fator limitante? Vocês primeiro fazem, depois pensam?


Tablado de Arruar — [risos] A teoria alimenta a prática que alimenta a teoria. Na verdade, a gente tenta pensar! Quando a gente foi para a rua, nossas escolhas não estavam muito claras. Com quem a gente queria dialogar? Qual era o nosso espaço? A gente foi focando o sentido do trabalho, parando de atuar em parques e escolhendo como espaço de ensaios e atuação o Centro da cidade. Antes a gente ensaiava em salas. "A Farsa do Monumento" saiu da sala de ensaio e dá para perceber sua distância com a realidade das ruas. Por ser uma peça dentro do imaginário do que seja teatro de rua, uma farsa com trabalho de máscara e clown, ela cabe na rua. Mas não tínhamos muita noção de como se relacionar com essa platéia, que se divertia e, no fim, não sabia não dialogava com a discussão que a gente estava propondo. Já em "Movimentos...", a gente foi até o limite nisso tudo pra criar uma peça sobre os camelôs, os moradores de rua, os desempregados e também os trabalhadores precarizados. A gente passou, assim, a se relacionar, a pensar e a entender as estruturas maiores que determinam a realidade do Centro.


Portal — O público atendeu bem ao convite de participar da montagem?


Tablado de Arruar — Nossa! O processo de criação nos leva a chegar no lugar, aquecer corpo e voz, fazer o treinamento, improvisar as cenas e, no fim, conversar com o público. No fazer da coisa vemos até que ponto a gente está se comunicando — que é o princípio de tudo. E como é difícil saber por que motivos a gente não consegue comunicar...!
[Chico] Quantas vezes, nos últimos dois ou três meses, a gente não pensou, organizou idéias e propostas, levou para a rua e simplesmente não teve nenhuma comunicação? A gente faz, depois pensa e volta, de novo. O lance é experimentação, a possibilidade da praxis, da crítica sempre dialética rolando solto. Pegando as três peças é muito interessante notar como o grupo é essencialmente processo.
[Martha] Ainda mais para a gente, que está construindo a nossa dramaturgia e experimentando nossa própria maneira de trabalhar coletivamente. Como grupo, nos preocupa a nossa formação. Temos grupo de estudos, fazemos treinamentos e agora estamos experimentando novas funções. A gente descobre o nosso tema, o nosso "nó". A cada dois meses um de nós dirige e outro faz a dramaturgia de algum subtema desse tema maior. E vamos para a rua. É por isso que essa etapa do projeto se chama "Ensaios sobre a Rua". A gente experimenta possibilidades, levanta dramaturgia e pesquisa. Com a direção do Cleiton e dramaturgia do Zé Du, trabalhamos o tema da peça, que é Ocupação. Visitamos algumas ocupações, enfocando a invasão. À partir disso, produzimos cenas. Esse segundo ensaio sobre a rua sou eu que está dirigindo e o Pedro está fazendo a dramaturgia sobre o tema da construção de uma "cidade ideal capitalista". A gente pesquisou personagens importantes da classe dominante e o que é a elite brasileira, nesse país que ao mesmo tempo é periferia do capitalismo e tem uma Daslu. Improvisamos em cima de "Mahagonny" e de "Parceiros da Exclusão", livro da Mariana Fix, que fala da retirada dos moradores para a construção da avenida Berrini...


Portal — No final do processo, quem assina a direção e a dramaturgia?


Tablado de Arruar — Passados os "ensaios sobre a rua", a gente abriu uma discussão sobre nosso processo de trabalho num segundo seminário — também aberto para a população, com a presença de artistas, colegas, de um diretor e um dramaturgo, a partir do que pudemos definir mais claramente o nosso objeto de pesquisa.


Portal — Nesse processo todo, onde é que a Lei de Fomento ao Teatro possibilitou um salto para um nível diferente do que já vinham fazendo antes?


Tablado de Arruar — Já há uma mudança no fazer teatral, na configuração dos grupos, na relação com as comunidades. Já se percebe muito claramente que os resultados do Fomento gera quase uma "oficialização da produção teatral" na cidade de São Paulo. Dinheiro cria mais possibilidades de trabalho. Grupos até então desconhecidos, começam a aparecer. A existência da lei nos obriga a discuti-la e os grupos estão dialogando mais profundamente, pensando sobre nosso ofício e entendendo melhor o sentido do que estamos fazendo. Agora existe espaço (possível, necessário e não alternativo) para a pesquisa de teatro de grupo. Mas também é óbvio que a lei não dá conta de todos os grupos.


Portal — Em que sentido essa segunda contemplação reverberou no Tablado de Arruar?


Tablado de Arruar — Somos um grupo novo. Na primeira vez, já tínhamos dois anos de trabalho incessante nas ruas. Agora é um novo momento do grupo, com a construção de uma nova peça e o seminário de formação do grupo. O Fomento fez parte da nossa formação e estruturou o Tablado de Arruar. Agora compramos uma Rural para nos servir de cenário e transporte. Com a gente tendo o tempo prioritariamente voltado para o grupo, o trabalho ganhou outra qualidade.


Portal — Visando a elaboração conjunta de um chamamento público voltado ao Teatro de Rua, a Secretaria Municipal de Cultura convidou o Movimento de Teatro de Rua de São Paulo, com o qual a Cooperativa Paulista de Teatro está parceirizada. Um mapeamento aponta para 40 grupos atuantes na Capital. Como o Tablado de Arruar entende o MTR-SP?


Tablado de Arruar — Quando participamos, na primeira etapa, a gente frisou que, sendo um encontro de grupos de teatro de rua, deveríamos, antes de tudo, pensar o nosso ofício, levantar discussões, nos conhecer melhor, vermos porque estávamos ali. Ser um movimento é fundamentar melhor as nossas idéias, ao invés de reivindicar necessidades concretas. Falava-se até em fazer uma lei de fomento para o teatro de rua. A gente discordou. Temos que usar nossas forças para a Lei de Fomento ao Teatro! Havia uma necessidade de fazer editais, festivais, mostras, overdose. Era um espaço voltado mais para realizações muito pragmáticas. Achamos melhor nos afastarmos. Agora, com a construção desse chamamento público da SMC, entraram em contato conosco e nós achamos importante estarmos lá, dialogando e buscando compreender o momento do movimento. Há grupos que não são do movimento, como é o caso do União e Olho Vivo, participando, não é?


Portal — O MTR-SP percebeu que, para se fortalecer ainda mais, deve se abrir ao máximo.


Tablado de Arruar — Tem que ser aberto mesmo. Um espaço de diálogo entre os grupos é muito importante — como também é o Arte Contra a Barbárie. A própria aceitação por parte da Secretaria Municipal de Cultura em aumentar a verba destinada a esse chamamento público mostra isso.
Portal — Conheça mais sobre o Tablado de Arruar em www.tabladodearruar.com.br.

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