Nùcleo de Teatro de Rua ELT

Wednesday, April 26, 2006

Teatro de Rua no Percurso de um Ator


Recuperar a Rua como espaço de confraternização e comunhão talvez seja o grande desafio social do nosso século


Por João Carlos Andreazza
Bacharel em Artes Cênicas pela UNICAMP


Antes de falar propriamente do teatro de rua é preciso entender o conceito da rua tal qual a conhecemos hoje, um advento da modernidade que surge com as técnicas de pavimentação, como o solo de macadame.


A partir de então, ocorre uma revolução, onde não só a vida privada se transfere para esse ambiente, como também os grandes movimentos coletivos de transformação social acabam por utilizá-la como palco. Foi assim com a revolução russa, quando se viu as massas proletárias ao som da internacional comunista. Também foi na rua que aconteceram os desfiles grandiosos do Terceiro Reich.


Durante a Segunda Grande Guerra, os elementos dinâmicos da rua foram recombinados, e, então inertes, os carros transformaram-se em barricadas para o confronto com o poder.


Com o passar do tempo as ruas tornaram-se perigosos corredores de passagem. Recuperá-las como espaço de confraternização e comunhão talvez seja o grande desafio social do nosso século.


INÍCIO DE PERCURSO


Por volta de 1988 estudei, no curso de Artes Cênicas da Unicamp, aquilo que foi a grande inspiração em termos de linguagem para o desfio da rua: a Commedia dell'Arte. E com meu projeto de iniciação científica,intitulado "Um Estudo da Comédia do Renascimento Italiano", encontrei os primeiros caminhos de tal desafio.


Porém, a escassez de material sobre o assunto levou-me a uma peregrinação pelas bibliotecas de outros departamentos e universidades, e a longas e deliciosas conversas com a então professora-doutora Marlise Meyer, que começaram pela comédia palaciana, passando pelo Ruzante de Ângelo Beolco até chegarem a Commedia dell'Arte.


Não demorou muito e um projeto de extensão universitária foi proposto pela professora Neyde Veneziano, para a montagem da peça "Arlecchino", de Dario Fo, com os alunos do departamento de Artes Cênicas. Paralelamente, eu desenvolvia meu projeto de iniciação científica, pensando nos procedimentos da Commedia dell'Arte como recursos para a rua. Da união de alguns dos atores dos dois projetos surgiu o grupo de teatro Fora do sériO.


O FORA DO SÉRIO


O primeiro espetáculo de rua que nasceu com o Fora do sériO chamava-se "Aqui não, Pantaleão!". Sem dúvida, a grande fonte de inspiração foi a Commedia dell'Arte, com os seus quatro pilares de sustentação: as máscaras, o improviso, os dialetos e as bufonarias; mas também com seus atores que dançavam, cantavam, faziam mímicas e pantomimas, usavam várias técnicas circenses e tocavam vários instrumentos musicais. Seus tipos ou personagens-fixas, nas quais cada máscara era a personagem, qualificativa e significativa em si, representavam a sátira social dos tipos que surgiam com a formação dos primeiros núcleos urbanos.


O espetáculo "Aqui não, Pantaleão!", foi feito com todos estes ingredientes, mas já buscava algo mais que um resgate histórico deste estilo de representação, ou seja, uma releitura com transposições cabíveis para os dias atuais.


A questão da dramaturgia específica para a rua surgiu quando percebemos que, no decorrer das representações, alguns quadros retirados da literatura dramática voltada para o palco não funcionavam na rua. Precisavam de mais ritmo, de uma adaptação. Mesmo a transposição de algumas personagens-fixas para os nossos dias mostrou-se mais complexa do que imaginávamos a priori.


Apesar dos pesares, o "Aqui não, Pantaleão!" foi o carro-chefe do grupo Fora do sériO por muitos anos. Apresentamos dentro e fora do Brasil, sempre com um retorno maravilhoso do público que nos assistia.


A montagem seguinte foi um roteiro de Vladímir Maiakóvski,chamado "Mistério Bufo", onde utilizávamos a estrutura do teatro medieval, e o público era convidado a percorrer estações para acompanhar o espetáculo.


Em seguida, retomamos a Commedia dell'Arte com a adaptação para a rua do quadro "O Asno", de Dario Fo, no qual obedecíamos mais fielmente a estrutura original da Commedia, com seu telão ao fundo, a rua central em perspectiva e as casas nas laterais. A experiência com a Commedia dell'Arte forneceu aos atores a possibilidade de ampliar o repertório pessoal de cada um, além do exercício dos virtuosismos e talentos individuais.


A experiência seguinte foi a montagem do espetáculo "A Guerra Santa", um roteiro pensado para a rua, cujo argumento girava em torno de uma crítica bem humorada dirigida aos cultos religiosos, onde a crítica não era contra a religião e sim contra aqueles que da religião faziam negócios; agora não mais com o Fora do SériO, nem como ator, mas sim diretor. Este projeto foi desenvolvido junto à Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo.
É claro que poderia somar a essas experiências inúmeras outras como: o contato com o YuyachyKani do Peru; o Galpão de Belo Horizonte; as palestras de Eugênio Barba; a criação do Movimento Brasileiro de Teatro de Grupo e outras.


RAZÕES INVERSAS


Houve também uma experiência diferente, mas não menos importante, com a Companhia Razões Inversas. A montagem de uma adaptação do "Bodas de Sangue" de Federico Garcia Lorca, intitulada por nós como "Bodas na Mangueira", cujo fio condutor era uma música de um contemporâneo de Lorca no Brasil, Noel Rosa. Neste processo cada ator apresentou, em forma de workshop, uma possível leitura da obra, e a partir daí o espetáculo foi formatado pelo diretor Marcio Aurélio.


Todas essas experiências revelam o teatro de rua como escolha e não falta de opção.

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